Por Olavo Dutra
O sistema democrático tem a vantagem suprema de assegurar a liberdade de ideias, de organização e de exposição de opiniões, mas, também, de levar à luz, sem filtros, as carências sociais que obstaculizam o acesso da maioria das pessoas a políticas públicas inclusivas e a direitos fundamentais.
O sistema pluripartidário criado com o fim do bipartidarismo da ditadura é um terreno apropriado para o jogo político aberto, onde ocupantes do Executivo precisam se sentar à mesa, expor suas principais cartas e aproximar novos e antigos, grandes e pequenos aliados. Isso tudo com base no diálogo e na preservação da independência dos interlocutores. Contudo, faltando pouco mais de quatro meses para a eleição, o Pará não dispõe de legendas oposicionistas consistentes e atuantes na atividade parlamentar ou na arena social que faça crer que o governador Helder Barbalho pudesse vir a ter alguma resistência efetiva ao seu projeto hegemônico.
A inapetência das oposições, incluindo o senador Zequinha Marinho, eleito ele próprio por um esforço familiar dos Barbalhos, expõe e ilustra um triste quadro eleitoral marcado pela ausência de discussões – para não dizer de enfrentamentos – e para a monotonia eleitoral à lá cubana, onde todos são livres para votar em quem quiser desde que votem em quem o governo mandar. O saudável embate pluripartidário que sempre fertilizou as verdadeiras democracias deu lugar a algo mais do que o vazio – deu lugar a uma matéria escura.
Massa obscura e sem energia
Essa é a denominação dada pelos cientistas a uma grande quantidade de matéria de natureza desconhecida cujo efeito afeta gravitacionalmente a dinâmica das galáxias e do universo. Acredita-se que a matéria escura possa ser formada por objetos compactos e supermassivos, como buracos negros primordiais, ou por partículas conhecidas como neutrinos inertes – partícula subatômica de massa muito pequena e desprovida de carga elétrica.
Bem, antes que pensem que migramos da análise política para o cursinho de física de maneira mágica passemos a nominar os neutrinos inertes tendo como ilustração a ruidosa reabertura do Palacete Faciola, ocorrida ontem, ao som da Amazônia Jazz Band, que reuniu políticos e autoridades.
O barulho que o governo e a Secretaria de Cultura fizeram com o feito não é sem sentido. Em uma cidade de arquitetura colonial marcante, a ausência de uma política afirmativa desse resgate histórico é fator de atraso, de perda de identidade, de prejuízo econômico e de dano à autoestima da população. Localizado à avenida Nazaré, esquina com a rua Dr. Moraes, o prédio foi construído em 1901. A desapropriação se concretizou em 2016, quando passou a integrar o patrimônio do governo do Estado, como mais um equipamento nas mãos da Secretaria de Cultura, que conduziu o trabalho de restauração.
Ao olhar o palco onde discursaram o governador Helder Barbalho, a ex-secretária de Cultura Úrsula Vidal e o prefeito de Belém, Edmilson Rodrigues, dentre outros, um observador desinteressado deixaria de perceber os neutrinos inertes, partículas pequenas e desprovidas de energia que constituem a matéria escura sobre a qual se ancora o “plebiscito estadual de 2022”, aquele que decidirá quem aprova mais e quem aprova menos o governo Helder Barbalho.
Quem te viu no verão passado
Mas tudo se revela de modo cristalino ao se ouvir o discurso subalterno de Edmilson Rodrigues, o ex-radical que outrora arguia suspeição sobre os métodos eleitorais da família e questionava a origem do patrimônio opulento que Jader, da ex-mulher e os dois filhos ostentam. Prestigiando a inauguração de uma obra que nem era sua, onde sua prefeitura ausente não colocou nem um único prego, Ed50, o radical invertido, ganhou, de graça, seu nome eternizado na placa de bronze na porta do edifício histórico. Em retribuição, deitou elogios ao ex-desafeto, a quem deve nada menos do que o desempate dramático contra o desconhecido Eguchi em 2020.
A cena de subalternidade torna-se ainda mais patética quando se perfila, diante da placa inaugural, em meio aos realizadores da obra e o caronista Ed50, a “líder da oposição” na Assembleia Legislativa, Marinor Brito, se acotovelando por um lugar em uma foto para a posteridade ao lado do governador a quem finge se opor no teatro político que o parlamento estadual propicia.
O secretário de luxo de Helder
Diante disso, não há como não lembrar da lúcida análise de Lúcio Flávio Pinto: “Durante a ditadura militar, os prefeitos das capitais brasileiras eram, na prática, secretários municipais do governador, que os nomeava e controlava. Por aqui, quem mais usou esses poderes foi Jader Barbalho, já na fase de transição para a democracia. Passados 40 anos, por mais uma ironia histórica, o filho, Helder Barbalho, no MDB, lhe segue o exemplo. Foi quem elegeu e controla Edmilson Rodrigues. O prefeito do Psol, um ano depois de assumir o cargo, se notabilizou até agora por bater o tambor”.