Uma historinha sobre o meu último encontro com o amigo e parceiro Palmério Dória
Paulo Silber
Na saída do prédio onde ele morava, curiosamente ao lado de uma delegacia, Palmério enfiou o braço dele no meu, em um elo de cotovelos opostos. Ele já estava com alguma dificuldade de locomoção, mas não foi por isso que convocou meu braço.
– Bora chocar a sociedade – ele falou.
Era uma frase que eu sempre dizia a ele quando praticávamos, em Belém, a saudável convivência dos pândegos.
– Mas na Augusta? – eu prostetei.
E fomos, pela calçada da Augusta, rumo a um pequeno e charmoso restaurante onde Paulo César Pereio nos esperava, cheio de histórias pra contar com aquela voz possante e criteriosa.
De braços dados, naquela que seria a nossa última bandalheira em dupla, rindo da reação alheia, feito dias meninas de outrora nas suas cumplicidades. Confesso que, por um instante, ao ver uma senhorinha vindo ao nosso encontro, eu dei uma reboladinha. Deu tempo de ver o olhar de reprovação e imaginar um balão de desenho animado onde se lia o pensamento dela:
– Pouca vergonha!!!
Rimos, rimos, rimos muito. Só fomos superados pelo Pereio, já no restaurante, quando contei meu plano para uma última travessura.
– Quando morrer, eu quero ser cremado. Já combinei com a minha filha pra ela levar as cinzas a todos os bares e restaurantes que frequentei e depositar um punhado delas em cada saleiro. Quero ser comido morto!
Pereio se engasgou com o próprio riso. Palmério, com aquele sorriso generoso e os olhinhos apertados, me abraçou com a ternura e admiração recíproca que marcou a nossa história. Pereio teve que sair, Daniel Nardin se juntou a nós e seguimos rindo e contando histórias. Eu tinha acabado de quase matar o pai do Daniel, mas isso eu conto outra hora.
Aquele foi meu último encontro com o Palmério, em 2017. Depois nos falamos várias vezes, sempre por email. O mais recente há uns dois meses, quando surgiu o boato de que ele tinha morrido.
Ontem veio a notícia, pelo Antônio Carlos, o Tonga – e dessa vez era verdade.
Perdi meu parceiro de pilhéria, de reportagens inesquecíveis, de farras memoráveis. Meu irmão, meu amigo, meu pai, meu mestre. Um dos homens mais lindos, íntegros e inteligentes que conheci. Dono de um humor contagiante e de um texto arrebatador. O cara que me abriu as portas para o ambiente onde habitavam as feras do jornalismo brasileiro, que eu nem sonhava em frequentar. E me ensinou a compreender melhor a história que nos cerca.
Com ele aprendi muito. Inclusive, a passar trote. Aliás, vou passar uns agora mesmo. As vítimas que me desculpem. É pelo Palmério.