O médico paraense Alfredo Coelho, pesquisador do instituto italiano Rinaldi Fontani, especializado no tratamento, pesquisa e formação no campo dos distúrbios e doenças sobre base epigenética: ciência busca desenhar um futuro onde a humanidade possa estar menos vulnerável e mais protegida/Fotos: Divulgação.

Por José Croelhas | Especial

Uma crise sem precedentes na saúde pública pode estar a caminho, herança dramática e de longo prazo da Covid-19: o aumento da incidência de casos de doenças neurodegenerativas, como Alzheimer e Parkinson, tecnicamente relacionadas a pacientes com mais idade.

Essa é a conclusão de pesquisa do Hospital da Universidade de Copenhague, Dinamarca, publicada recentemente na revista Frontiers in Neurology. O estudo aponta que pacientes infectados com Sars-CoV-2 apresentaram risco 3,5 vezes maior de contrair Alzheimer e 2,6 vezes maior de contrair Parkinson. Segundo o estudo, há risco 4,8 vezes maior de sangramento no cérebro e 2,7 vezes mais de desenvolver acidente vascular cerebral isquêmico.

Danos imprevisíveis

“Já sabemos que o vírus Sars-CoV-2, que causa a Covid-19, pode invadir o tecido cerebral e provocar danos imprevisíveis aos seres humanos” – explica o médico paraense Alfredo Coelho, pesquisador do instituto italiano Rinaldi Fontani, especializado no tratamento, pesquisa e formação no campo dos distúrbios e doenças sobre base epigenética.

Alfredo Coelho explica que “estudos indicam que pacientes de Covid-19 muitas vezes apresentam deficiências de longo prazo, conhecidas como covid longa, centrada em alterações no sistema nervoso central, incluindo a perda do olfato e do paladar, confusão mental, depressão e até ansiedade.”

Inflamações em cascata

Infecções virais repetidas podem ativar uma espécie de “cascata de eventos inflamatórios”, como ocorre nos estágios iniciais das doenças neurodegenerativas? 

O pesquisador é categórico: “estudos comprovam que a Covid-19 provoca neuro inflamação e pode estar ligada ao surgimento precoce dessas doenças”.

O médico ressalta que a literatura científica revisada identificou 55 efeitos de longo prazo da covid, e que estudos mais recentes revelaram que o SARS-CoV-2 ativa a mesma resposta inflamatória no cérebro que a doença de Parkinson e outras condições neurodegenerativas.

A realidade posta é que 80% dos pacientes infectados com o vírus desenvolveram um ou mais sintomas de longo prazo, sendo a fadiga (58%), a cefaleia (44%), o distúrbio de atenção (27%), a queda de cabelo (25%) e a falta de ar (24%) os mais comuns.

Alfredo Coelho chama a atenção para o fato de que “embora tais alterações sejam relatadas principalmente em sobreviventes de doenças graves e críticas, os efeitos duradouros também afetam indivíduos que sofreram infecção leve e sequer necessitaram de hospitalização.” 

Células raivosas

Mas, afinal, por que algumas pessoas são mais ou menos vulneráveis aos efeitos da covid? Os pesquisadores Trent Woodruff e Eduardo Balmaceda, da Universidade de Queensland, Austrália, cultivaram micróglia  – célula do sistema nervoso central que executam a vigilância do tecido cerebral e da medula – humana em laboratório, as infectaram com SARS-CoV-2 e observaram que as células ficaram “raivosas”, ativando o mesmo cenário que as proteínas de Parkinson e Alzheimer podem ativar na doença, os inflamassomas.

Sabe-se que a ativação do inflamassoma microglial é um dos principais fatores do processo neurodegenerativo. A pesquisa revela que o desencadeamento da via do inflamassoma provoca um verdadeiro “incêndio” no cérebro humano, deflagrando um processo crônico e, pior, sustentado de matança de neurônios.

Incêndio cerebral 

Sendo assim, em paciente já predisposto a desenvolver doenças neurodegenerativas, ser infectado pelo vírus SARS-CoV-2 pode ser comparado a derramar gasolina no “fogo” já instalado no cérebro. Ou seja, o mesmo se aplicaria a uma predisposição para a doença de Parkinson, Alzheimer e outras demências associadas a inflamassomas. 

Consequentemente, pode-se dizer que estamos diante de uma espécie de “assassino silencioso”, já que os pacientes não irão manifestar nenhum sintoma externo por alguns anos. 

Ciência versus futuro

Diante do preocupante cenário, alavancado pelas recentes descobertas, cabe à ciência esclarecer o quê, de fato, faz o organismo perder sua capacidade de regular um mecanismo tão essencial, a nossa imunodefesa, que, quando ativada inadequadamente, consegue conduzir a doenças tão graves como as neurodegenerativas, cada vez mais presentes em nosso meio.