Curador do Arte Pará,PauloHerkenholf escreveu carta à secretária de Cultura, Ursula Vidal, pedindo reparação das medidas que estão acima dela em protesto contundente contra a série de decisões consideradas estapafúrdias, mas que se ajustam ao jogo político/Fotos: Divulgação.

Por Olavo Dutra | Colaboradores

O segundo governo Helder Barbalho é tão diferente daquele que passou a ponto de misturar alhos com bugalhos, ou trocar museóloga por nutricionista e musicista por veterinário.

Para quem não tem tempo de se aprofundar nos clássicos da ciência política, recomenda-se a minissérie “O império dos Chimpanzés”, na Netflix. Ver toda a série consome menos tempo do que a leitura detida de “O Príncipe”, de Maquiavel. E tanto quanto a leitura do filósofo florentino, a minissérie vale a pena: mostra a disputa de poder e um jogo social complexo, tendo como cenário uma grande comunidade de chimpanzés que vive em uma floresta na Uganda, África. Um grande líder, forte e vigoroso, domina uma comunidade imensa e pacificada em meio a uma relação desigual e combinada de força e privilégios.

Para quem se acha tão distante desses primatas, uma revelação: cerca de 98% dos genes dos chimpanzés se assemelham aos dos humanos. 

A primeira lição de política que se vê na série é que mesmo os líderes mais poderosos precisam fazer concessões e oferecer espaços para se manter no mando. Um líder que não faz concessões é vítima permanente das conspirações e dos novos arranjos que se conformam diante dos fatos.

É assim porque os governos nada mais são do que arranjos. E cada ciclo de governo implica novos arranjos.

Palavra de quem conhece

Na última quinta-feira, a coluna Repórter 70, de “O Liberal”, publicou trechos de uma carta enviada de Nova York pelo curador Paulo Herkenholf à secretária de Cultura do Pará, Ursula Vidal. Herkenholf é o curador do Salão Arte Pará e, nos EUA, de onde escreveu, acompanha a exposição “Chosen Memories”, no MoMa. O documento é o primeiro e único manifesto público de uma autoridade do mundo das artes contra o festival de esquisitices que ocorre no Estado.

Ele diz ver com preocupação a recente demissão de dirigentes dos museus e centros culturais estaduais e a respectiva substituição por gente tida por incapaz ou com inadequada formação especializada para as responsabilidades e desafios para a gestão técnica requerida para as atividades e o patrimônio culturais do Estado. Ao admitir, por não saber da missa a metade, que Ursula “talvez tenha sido mal assistida nesse processo” e pedir que a secretária suspenda as demissões e readmita os excluídos, Herkenholf precisa ver a série da Netflix.

Alhos com bugalhos

No Pará, nutricionista toma lugar de museólogo e veterinário toca a toada na Fundação Carlos Gomes na vaga de Glória Caputo. Simples assim.  Até os mais tolos já perceberam que o primeiro governo Helder Barbalho não guarda sequer semelhança com o segundo. Ou se guarda, ainda estamos por ver.

Combinação de resultados

O primeiro governo foi conquistado com base em uma combinação de persuasão social e engenharia política, ganhando o eleitor e os aliados para um projeto de desenvolvimento baseado na presença territorial do governo e em compromissos específicos com comunidades e lideranças locais. O arranjo político era menor, porque em torno do candidato da máquina, Márcio Miranda, agrupavam-se os maiores partidos e as maiores lideranças. Simão Jatene alimentava o apetite voraz dos maiores e Helder distribuía esperança e precisava do povo. A comunicação de sua campanha por isso se esforçou em alicerçar a ideia de um jovem líder que após uma derrota se reinventou para reinventar seu Estado. E foi assim que ele pavimentou uma vitória mesmo tendo a minoria das forças políticas: estabelecendo  compromissos com a sociedade e com as lideranças que não se afinavam com o mando jatenista.

 O governo que emergiu desse pacto de Helder Barbalho com a sociedade foi um governo técnico, de alta performance, com hiatos aqui e acolá que não maculam o rendimento médio acima das expectativas. Isso tornou Helder grande para a disputa de 2022.

Na reeleição, Helder Barbalho não teve adversários.  Os que não haviam capitulado estavam isolados. Largou grande e permaneceu grande com base em arranjos políticos complexos e na engenharia de poder que fortaleceria a quase totalidade dos partidos, suas lideranças e os detentores de mandato, incluindo a própria bancada robusta do MDB na Assembleia Legislativa e em Brasília. 

Em 2022, Helder não precisava mais do povo e por isso fez uma comunicação de campanha burocrática e que não firmou compromisso algum para o futuro.

 Sem nada para lembrar

Alguém se lembra de alguma promessa da campanha de 2022? Não. Sua comunicação – um amontoado de videoclips e peças gráficas coloridas – esforçava-se em ocupar o espaço avantajado que tinha na mídia. Propostas não vieram à luz. As generalidades dominaram as falas, como se tivessem sido escritas por uma ferramenta de inteligência artificial, fria e impessoal. E foi assim que se chegou a uma vitória robusta, garantida pela engenharia política e não por um pacto social. 

Essa engenharia que resultou na vitória alterou o perfil do segundo governo, que é completamente diferente do primeiro. Não existem, excetuando-se meia dúzia que veio do primeiro governo, nomes de excelência técnicas na equipe. Nenhuma prova de proficiência foi usada para nomear alguém em alguma pasta. Ao se ver indicado ao cargo, o titular do Turismo disse que havia lido no caminho as funções de sua pasta.

São ocupações de espaços com base puramente em arranjos políticos. Quem tem mandato recebe cotas de cargos – e são tantos que certamente nenhum político guarda em sua relação mais próxima gente suficiente para ocupá-los. E daí surgem as esquisitices, como colocar a Casa das Onze Janelas, que antes de tudo é um museu, nas mãos de uma nutricionista. 

Isso não ocorria no governo passado? Sim.  Quem não se lembra da namorada de um então deputado sendo nomeada para dirigir o Curro Velho, equipamento imprescindível na formação de novas gerações de músicos e artistas? O que grita no momento atual é que a exceção virou regra.

Mendicância de luxo

A carta aberta denunciando o desmonte do Sistema Integrado de Museus do Pará, com a substituição de profissionais especializados por afilhados políticos profissionais, é parte desse novo momento político e segue rendendo comentários. Para observadores da cena em Belém, contudo, outros detalhes pontuam o circuito cultural do Estado, um deles envolvendo a ‘mendicância de luxo’ que garantiu Márcia Yamada na diretoria e Artes Cênicas da Secretaria de Cultura e a demissão, para isso, do ativista Adriano Barroso, que ocupava o cargo.

Apontado por fonte da coluna como ‘um dos elementos mais preguiçosos do planeta’, Adriano, que ocupou o cargo de diretor de teatro por quatro anos, não aparecia para trabalhar, mas, ao perder o DAS, pensou ter ‘incorporado Che Guevara’. Hoje, diz a fonte, Adriano Barroso tem animado abaixo-assinados. Antes disso, deveria ter assinado o ponto, para evitar ser o lado mais fraco da corda cultural.

 Apenas uma vítima

O que a sociedade paraense precisa entender é que esse governo não guardará semelhança senão fisionômica com o governo anterior. A engenharia que o montou é de outra natureza. É preparado para garantir que Barbalho mantenha consigo  a maioria dos prefeitos e deputados, desmontando os palanques adversários para eleger o seus escolhidos em 2026 sem precisar arregaçar as mangas, enquanto mira em Brasília seu próximo pouso político.

 Adriano Barroso, o dos abaixo-assinados, é só uma vítima colateral nesse pesado jogo de poder. Ele e – justiça se faça – Ricardo Balestreri, o ‘pai das usinas da paz’, trocado por Igor Normando, o namorado da moça nomeada para a Fundação Cultural do Pará.

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