Por Silvia Leticia da Luz
“O que se observa na rede estadual de ensino é a redução de carga horária docente e o empobrecimento da formação do aluno, que não vai estudar ciências para se dedicar a questões do dia a dia do tipo “como fazer brigadeiro gourmet…”
A reforma do ensino médio, aprovada no governo Temer, é uma política desastrosa para a formação da juventude do País; sua perspectiva é de desmonte do caráter público e prevê formação técnica e precária.
No Pará, a primeira reforma do ensino médio ocorreu em 2012, com o início da implantação de Escolas em Tempo Integral, mas, passados dez anos, o que ocorreu foi o esvaziamento de matrículas no ensino fundamental e médio na rede estadual: transformaram as escolas em escolas exclusivas de ensino médio, priorizando o ensino regular com jovens estudando, em tese, o dia inteiro na escola.
Tempo integral é balela
Na realidade, escola em tempo integral não funciona. Os alunos deveriam ter aulas regulares pela manhã e oficinas de aprendizagem no horário da tarde. Deveriam ficar na escola com lanches e almoço, tempo de descanso e currículo que possibilitasse uma formação mais consistente com a vida desses jovens.
Nada disso ocorre na rede pública. O tempo integral têm se esvaziado e a evasão escolar aumenta a cada ano. Fecharam turmas do ensino fundamental na maioria das escolas e o que se observa são jovens trocando o ensino médio integral por formação técnica.
Missão quase impossível
Como fazer funcionar uma escola em tempo integral sem estrutura, sem formação de professores, sem investimentos em laboratórios, bibliotecas, artes, quadra de esporte; sem refeitório e alimentação de qualidade? Como ficar o dia inteiro na escola sem condições físicas e pedagógicas para fazer funcionar o essencial?
As lutas da educação no Pará são por reforma nas escolas e pela valorização do trabalho dos professores, e dos não docentes. O governo tentou aprovar o ensino a distância implementando vários projetos para garantir esse objetivo, como o Sistema de Educação Interativo (Sei), que, que ao fim e ao cabo, não deu certo.
O Estado tem um dos piores acessos à rede de computadores. Crianças e jovens até 17 anos vivem em situação de miséria. Mais de 93%, segundo o Unicef, têm acesso precário à renda, educação, água potável, saneamento, saúde e moradia.
O novo ensino médio
Outro aspecto da reforma do ensino médio é o Novo Ensino Médio, o Nem, que, desde setembro de 2022 tenta alterar o currículo dando prioridade a disciplinas consideradas obrigatórias na formação do aluno, como português, matemática e inglês, esvaziando o tempo de aulas de disciplinas consideradas não obrigatórias – história, geografia, sociologia, filosofia, biologia, química, arte e educação física, disciplinas das áreas das Ciências Humanas e Ciências da Natureza.
Segundo especialistas no assunto, a ideia é ter uma flexibilização curricular que deixe o aluno a vontade para “escolher” as disciplinas e áreas que quer estudar, estabelecendo os itinerários formativos para este objetivo – escolher entre aspas porque, a bem da realidade, a escolha é mais da Seduc do que de alunos e professores.
Ensino pobre de marré
O novo ensino médio empobrece a formação básica de jovens e sugere itinerários formativos desconectados das reais necessidades dos alunos, porque não dialogam com situações objetivas. É um currículo para “o fazer”, a formação técnica, que mesmo sendo prioridade do Nem encontra obstáculos quando a própria Seduc não garante estrutura para essas novas disciplinas nas escolas.
Esse processo cria maiores desigualdades entre as escolas públicas e privadas e entre as escolas públicas na medida em que há escolas em melhores condições financeiras e de localização que outras na mesma rede.
“Como fazer brigadeiro…”
O que se observa na rede estadual de ensino é a diminuição de carga horária docente e o empobrecimento da formação do aluno, que não vai estudar ciências para estudar questões do dia a dia do tipo “como fazer brigadeiro gourmet” para empreender.
Junto com isso, o governo está fechando o ensino médio regular no noturno porque quer manter os alunos estudando em tempo integral durante o dia, sem possibilitar tal permanência, desconsiderando que necessitam trabalhar desde cedo. Também estão fechando turmas da Educação de Jovens e Adultos à noite, negando o direito de alunos trabalhadores à conclusão de seus estudos e oferecendo o ensino à distância em troca de mera certificação.
Professora Silvia Letícia, coordenadora-geral do Sintepp Belém e membro da direção estadual do sindicato.