Por Olavo Dutra
A política ama a traição e odeia os traidores. A máxima, atribuída a Leonel Brizola, ex-governador do Rio Grande do Sul e do Rio Janeiro converge para o senso comum segundo o qual os traidores não precisam de motivos; precisam de oportunidades.
Desde a redemocratização e do advento da escolha direta dos prefeitos, os pleitos na capital paraense são palco de disputas acirradas. A contenda entre Elcione Barbalho e Ramiro Bentes, por exemplo, em 1996, foi tão polarizada que gerou um fenômeno inesperado até então: as principais forças políticas em confronto aberto, violento e sem meias palavras criaram no eleitor um sentimento de aversão a ambos, dando lugar ao surgimento de uma terceira via improvável – Edmilson Rodrigues, do PT, que emergiu como alternativa, superou de modo relâmpago a oponente Elcione Barbalho e despontou no segundo turno em franco crescimento.
Edmilson venceu com 291.184 votos, derrotando o poderoso secretário de Finanças, Ramiro Bentes (215.465 votos), incensado por Hélio Gueiros, prefeito com alta aprovação popular. Por trás daquela disputa eviscerante entre Elcione e Ramiro havia uma história de traição e traidores, envolvendo personagens ilustres do baratismo, Hélio Gueiros e Jader Barbalho. Seguindo a lógica de Brizola, em 1996, o povo de Belém escolheu Edmilson para punir os traidores.
Após quatro anos de mandato com altos e baixos e muita polêmica, o então petista Edmilson enfrentou uma dramática reeleição em 2000, quando quase perdeu para Duciomar Costa, vereador populista. Na ocasião, as pesquisas de boca de urna apontaram 50% para cada um dos oponentes e a decisão foi por um fio de cabelo: 325.888 contra 316.279 votos. Edmilson teve uma vitória eleitoral, mas ruminou o gosto amargo da derrota política por quatro anos.
Traídos, traidores e traições
Desde que saiu da prefeitura em 2004, Edmilson perseguiu o sonho de retomar ao cargo para, segundo dizia, “concluir o trabalho” que iniciara. Em 2020, depois de acumular derrotas em pleitos majoritários, Edmilson venceu, novamente por um fio de cabelo, mas dessa vez contra um ilustre desconhecido, o Delegado Eguchi. Às voltas dessa disputa aparentemente aleatória também se acumularam traídos, traidores e traições.
Até as pedras sabem que Helder Barbalho, governador com alta popularidade, tinha mais de uma possibilidade de disputar e vencer o pleito municipal na capital com as cartas que tinha na manga. Úrsula Vidal, titular da cultura de Helder, com mais de meio milhão de votos em 2018, não era a única alternativa. Orlando Reis, ex-vice prefeito, vereador longevo e ex-presidente da Câmara se filiou ao MDB à espera dessa chance, como fez também Jarbas Vasconcelos, ex-presidente da OAB, à frente da política penitenciária do Estado. O então vice-governador Lúcio Vale, deputado de vários mandatos, político de forte articulação, também estava na fila, mas acabou agasalhado no TCM. Foram todos traídos, preteridos, condição encoberta pela escolha tardia de Priante, de longe o menos adequado para fazer a disputa com chances. Os corredores sussurravam, já antes da convenção, que Priante havia sido escalado para perder. Os fatos corroboraram os boatos.
A lógica que mira os acordos
A vitória de Edmilson foi construída pacientemente por Helder, com a lógica de que seria melhor ganhar ou perder com alguém que não tivesse ligação óbvia com ele, mas que pudesse cumprir acordos pontuais que culminassem na reeleição do próprio governador em 2022. Sem cargos na prefeitura ou indicação de secretários, a única exigência de Helder a Edmilson foi que ele garantisse que o Psol não lançasse candidato ao governo em 2022. Helder teme uma disputa em dois turnos – pelos custos políticos e financeiros disso – e aposta no cerco e aniquilamento rápidos no primeiro turno. Qualquer candidatura de um aliado que tenha míseros 3% pode impactar, levando o candidato à reeleição a enfrentar um segundo turno dispendioso, indesejado e desgastante. A mesma lógica rege o acordo do governador com Beto (da Fetagri) Faro, candidato ao Senado pelo PT – que traiu Paulo Rocha, atual ocupante da vaga. Helder sustenta a candidatura natimorta de Beto Faro para anular as chances de o PT apresentar um nome qualquer na disputar ao Executivo estadual.
A ocasião favorece a traição
O governador queria que a esquerda não tivesse nome na urna eletrônica nessa disputa e fez o dever de casa. Só dependia de Edmilson. Mas o espectro da traição mais uma vez sobrevoou Belém. Contrariando o comando do Palácio dos Despachos e o acordo firmado no calor da iminente derrota de 2018, o Psol governante terá sim candidato ao governo. A dirigente sindical Sílvia Letícia, desafeta de Edmilson, e Fernando Carneiro, vereador do Psol saíram na frente e apresentaram seus nomes, mas serão traídos. A escolha final do núcleo de mando de Edmilson é José Nery, ex-senador da República, que rivalizará com Helder, antecipando para 2022 a disputa futura, de 2026, quando, sem Helder no governo e supostamente com um vice sem votos ocupando o Executivo Edmilson sairia candidato ao governo, contando com a ajuda do pretenso senador Beto (da Fetagri) Faro e de Lula. Esse era o plano, escrito sem Helder, mas que dependia dele para se tornar real, já que o governador não foi apenas o avalista da eleição de 2020, mas sustenta o próprio governo Edmilson, drenando milhões do Estado para obras e serviços.
Como escreveu François René de Chateaubriand, os acontecimentos fazem mais traidores do que as opiniões.