Números da pesquisa foram obtidos a partir da análise de dados do Instituto Nacional de Meteorologia e das taxas de mortalidade do banco de dados do Sistema Único de Saúde/Fotos: Divulgação.

Por Pedro Paulo Blanco

Estudo aponta que alterações climáticas e calor extremo, que se tornam mais intensas, longas e frequentes foram responsáveis por mais de 48 mil mortes nas principais regiões metropolitanas do Brasil.

É cada vez maior o número de produções cinematográficas que utilizam uma Terra com cenário pós-apocalíptico como ambiente de filme de ficção. No roteiro, a devastação da humanidade, ou parte dela, é fruto de pragas, vírus ou mudanças climáticas – muito debatidas, mas pouco combatidas. A inspiração, no entanto, nunca foi tão real. Depois da Covid-19, agora são as ondas de calor que ameaçam a humanidade

Estudo publicado pela revista “Plos Climate”, semana passada, aponta que as ondas de calor mortais provocadas pelas mudanças climáticas se tornaram uma ameaça real à vida na Índia, mesmo à sombra. De acordo com a pesquisa, o mês de abril de 2022 foi o mais quente do país em 122 anos, seguindo de março mais quente já registrado. À época, 25 pessoas morreram por consequência do calor em apenas 60 dias.

O país também corre o risco de ver todo o progresso obtido nos últimos anos na redução da pobreza e em melhorias na saúde e na economia irem por água abaixo em função do calor extremo. O estudo realizado por pesquisadores da Universidade de Cambridge mostra ainda que, desde 1992, mais de 24 mil pessoas morreram por causa das ondas de calor na Índia. “As projeções de longo prazo indicam que as ondas de calor no país podem ultrapassar, até 2050, o limite de sobrevivência de um ser humano saudável descansando na sombra”, revela o texto.

Brasil também pode sofrer

Belém está entre os centros urbanos analisados pela pesquisa “Mudanças Climáticas e Desigualdades no Brasil: Aspectos Sociais e Demográficos das Mortes Relacionadas ao Calor em Áreas Urbanas do País”, realizada em conjunto pela UFRJ, Fiocruz, UNB e a Universidade de Lisboa. O estudo mostrou que as ondas de calor, por terem se tornado mais intensas, longas e frequentes foram responsáveis por mais de 48 mil mortes nas principais regiões metropolitanas do Brasil entre os anos 2000 e 2018.

Os números foram obtidos a partir da análise de dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) e das taxas de mortalidade do banco de dados do SUS. Em todas as cidades analisadas, o aumento das ondas de calor intensificou doenças do aparelho circulatório, doenças respiratórias, câncer, doenças da pele, do tecido subcutâneo, do sistema nervoso e do aparelho geniturinário. Problemas de transtornos mentais e comportamentais também foram associadas ao aumento da temperatura.

O maior número de mortes no período foi verificado em São Paulo – 14.850 -, mas as maiores taxas de aumento da mortalidade foram registradas no Rio de Janeiro, Porto Alegre, Belém, Cuiabá e Recife. Pessoas pretas e pardas foram mais atingidas que as brancas em 12 das regiões estudadas, principalmente em Belém, Recife, Brasília, Goiânia, São Paulo e Rio de Janeiro.

O jeito é acelerar a missa

Sentindo o problema na pele e conhecendo bem a condição de saúde de muitos dos fiéis que frequentam a missa, o padre Francisco, da Paróquia de São Domingos de Gusmão, no bairro da Terra Firme, em Belém, foi prudente na celebração noturna do último domingo. Acelerou o que pode o rito para terminar a missa o quanto antes. Cortou cânticos daqui e orações dali para dar à celebração a profundidade que ela precisava com a velocidade que o calor exigia.

Agonia depois do calvário

Ao final, o religioso fez questão de explicar que a pressa foi a maneira encontrada para celebrar sem comprometer a saúde dos muitos idosos que compareceram à missa nas noites de domingo. A Paróquia de São Domingos de Gusmão é uma das poucas não climatizadas em Belém. Leve-se em conta, entre muitos aspectos, o padrão financeiro dos moradores da Terra Firme, um dos bairros mais pobres de Belém. Na celebração das Três Horas da Agonia, Sexta-Feira Santa deste ano, uma fiel precisou ser socorrida por consequência do calor extremo dentro da igreja.

É a vida que – neste caso, por ação do próprio homem – segue imitando a arte.