Em entrevista exclusiva, o ex-governador Simão Jatene, ainda sem partido, avisa que recorreu da decisão do STJ sobre a acusação de abuso de poder nas eleições de 2o14 e informa que o processo pelo qual a Assembleia Legislativa reprovou suas contas de governo virou peça de arquivo, depois da pirotecnia patrocinada pelo atual governo, com a boa vontade dos deputados. Lamenta que os parlamentares tenham se permitido à humilhação pública que lhe impôs o governador Helder Barbalho e avalia que com um bom projeto haverá de criar um bom e viável grupo de candidatos às eleições do ano que vem. Segundo Jatene, sem conhecer detalhes da situação fiscal, não é possível falar sobre os empréstimos contraídos pelo governo, mas estranha que – com tanto dinheiro – não vê obras estruturantes.
Nos últimos dois, três meses, em entrevistas e lives, o senhor tem manifestado que participará das Eleições 2022 com ou sem cargo, certamente na expectativa de decisão do STJ sobre uso do Cheque Moradia supostamente em benefício próprio em 2014. Então, com o senhor avalia essa condenação e quais as implicações dela para 2022?
- Dizem as chamadas “raposas políticas”, que primam pela esperteza, que decisão da justiça não se comenta: cumpre-se! Mas, como não tenho qualquer identidade com esse tipo de figura política, e sou até criticado por rejeitar seus métodos, estou recorrendo da decisão, por acreditar que a mesma é resultante da conhecida manipulação da informação por parte do grupo hoje no poder, aliado a uma sequência de lamentáveis equívocos por parte da Justiça, conforme explico a seguir.
- A acusação que nos é imputada é de abuso de poder nas eleições de 2014, o que, segundo a acusação, estaria caracterizado pelo crescimento do número de “cheques” entregues naquele ano. Sem pretender esgotar os argumentos de defesa, chamo atenção para alguns indicativos que demonstram os limites dessa afirmação. Por exemplo, o programa, que já tinha mais de dez anos e inclusive foi transformado em lei em 2013, beneficiou o mesmo número de famílias beneficiadas em 2015. Por outro lado, quanto ao suposto impacto no resultado eleitoral, também é estranha a lógica adotada, uma vez que perdemos o primeiro turno. Logo, o suposto abuso só teria funcionado para o segundo turno, apesar de outubro ter sido o mês de menores entregas do semestre, inclusive em proporção ao número de inscrições.
- Além do mais, todo o Pará sabe que foi o atual governador, que disputou conosco aquelas eleições que, segundo o Ministério Público Federal e a Polícia Federal, teve seu nome envolvido em listas de propinas e doações ilegais, inclusive com declarações explícitas por parte de diretores de grandes empresas. Logo, espero que em algum momento o sistema de Justiça perceba que está com o alvo errado, e faça justiça.
- Quanto à rejeição descabida e graciosa das contas pela Assembleia Legislativa, o caráter politiqueiro foi tão evidente que, ao que fui informado, o processo foi arquivado, mesmo sem que tenhamos tomado qualquer medida. O que evidencia o deslavado e descarado esforço do grupo no poder de, a qualquer custo e por todos os meios, nos afastar do processo eleitoral e manchar meu nome.
- O senhor guarda mágoa dos deputados do PSDB que votaram contra a aprovação das contas na Alepa, assim como dos demais políticos do partido que passaram a apoiar o governador Hélder Barbalho?
- Não! Tenho enorme preocupação ao ver um parlamento, na sua maioria jovem, tão despersonalizado e subserviente e, às vezes, tento imaginar como eles se sentem quando pensam sobre suas atitudes, até porque o governo não precisava tê-los submetido a tamanho constrangimento, a não ser por pura infantilidade, capricho e desejo de humilhá-los. Agora, quanto ao apoio do PSDB ao governo atual, realmente não consigo entender. E até hoje, nenhum dos entusiastas desse “grande feito” me explicou porque apoiar um governo sem projeto, obras ou realizações, que, entretanto, é campeão em escândalos e denúncias sobre mau uso de dinheiro público, principalmente com recursos da saúde em plena pandemia e ainda é a mais perfeita expressão de uma arrogância e autoritarismo infantil, o que se não fosse trágico, certamente, seria cômico.
“Atual governo é a mais perfeita expressão da arrogância e do autoritarismo infantil”
- A que partido o senhor pretende se filiar e até quando?
- Lamentavelmente, vivemos tempos estranhos, no qual, com raras exceções, os partidos parecem ter se afastado definitivamente da sua condição natural de educador coletivo e, sem qualquer desconforto e cuidado, esquecem seus princípios programáticos, reforçando a desqualificação da própria política. Parece que a falta de coerência e o oportunismo deslavado passaram a ser a mola mestra das articulações. Assim, não é simples escolher um partido com o qual se tenha identidade, considerando que é quase imprevisível o comportamento que o mesmo terá no dia seguinte. Quem apoiará? Que causas irá defender? E isso se torna ainda mais crítico quando se tem a responsabilidade de indicar rumos para pessoas que lhe pedem sugestão de para onde ir. Consequentemente, estamos acompanhando os cenários e analisando as possibilidades.
- Das três opções, qual seria a sua, verdadeiramente: candidato a governador pela quarta vez, candidato ao senador pela primeira vez ou não concorrer a cargo nenhum?
- Diante do marasmo que se encontra o Estado, minha maior preocupação é firmar um grupo que se desafie a reacender a esperança no coração das pessoas, apresentando um novo projeto de Estado. Queiram ou não os adversários e mesmo não simpatizantes, junto com o ex-governador Almir Gabriel e muitos outros companheiros formatamos um projeto que norteou as ações do governo por vários anos.
“Com um bom projeto, teremos um bom time e um grupo de candidatos viável”
- Alça Viária, Tramoeste, Macrodrenagem em Belém, Estação das Docas, Complexo Feliz Lusitânia, Mangal das Garças, Parque do Utinga, Centro de Convenções em Belém e Marabá; Estádio Olímpico e Mangueirinho; recuperação e interiorização do Banpará, Combate à Febre Aftosa, construção de 18 grandes hospitais, com implantação dos Regionais, num total de mais de 2 mil novos leitos; Centro Integrado de Inclusão e Reabilitação para Pessoas com Deficiência (CIIR), ProPaz e UIPP; curso de Medicina em Santarém e Marabá; escolas Tecnológicas, cheque moradia, Asfalto na Cidade, rodovias, pontes e centenas de outros projetos faziam parte de um plano cujos resultados estão aí. Claro que não fizemos tudo, mas a maior parte do que foi planejado foi executado e com sucesso. Hospitais foram construídos, equipamentos adquiridos, tudo sem fanfarronice ou pirotecnia. Tomógrafos, ressonâncias, máquinas de hemodiálise e jamais fui ao aeroporto tirar fotografia na chegada dos mesmos, para depois constatar que eram inadequados, não funcionavam. Pelo contrário, tudo foi feito por profissionais da área e com profissionalismo, e os hospitais estão aí, salvando vidas, embora não sejam poucas as críticas e informações de que, lamentavelmente, os mesmos estejam sendo mal cuidados.
- Por tudo isso, acredito que com um bom projeto, certamente, teremos um bom time e um candidato viável. Mas, para tanto, as pessoas de bem têm que ajudar, participar, cada um ao seu modo, do seu jeito, esclarecendo os menos informados, contribuindo para que as pessoas simples não sejam enganadas.
- A atual administração estadual tem feito empréstimos recorrentes como jamais visto. Qual é a lógica de gerir o Estado com endividamento crescente da máquina pública?
- Realizar empréstimos para executar projetos, cujo valor supera a capacidade financeira do Estado de executá-los apenas com a sua arrecadação é um procedimento natural. A questão é a destinação de tais empréstimos e o controle da capacidade de endividamento. Por toda a administração Almir Gabriel, bem como quando estivemos no governo, sempre tivemos muito cuidado com isso, tanto que o Pará sempre foi muito bem avaliado pelo Tesouro Nacional e atravessamos a grave crise de 2015/2016 sem maiores traumas, quando a maioria dos Estados atrasou salários. E aqui não posso perder a oportunidade de perguntar: será que se o Estado estivesse endividado, como tentou fazer crer o atual governo para justificar sua incapacidade e inoperância, teria sido possível tomar tantos empréstimos?
“Dizer que deixamos o Pará endividado foi justificativa para a incapacidade”
- Agora, hoje não tenho acesso à verdadeira situação fiscal e financeira do Estado, mas como ouço dizer que arrecadação tem crescido muito, não consigo ver para onde estão indo os recursos, já que desconheço obras estruturantes que estejam sendo realizadas que justifiquem esses empréstimos, inclusive, considerando que tanto para o BRT Metropolitano, quanto para a Yamada-Tapanã, o governo passado deixou recursos garantidos, da mesma forma como deixou também para urbanização das cidades da Transamazônica e para os portos na margem esquerda do Amazonas.
- Gostaria que o senhor se manifestasse sobre licitações no âmbito do governo do Estado – licitações com excesso de dispensa de licitações e de preços. Seria o ninho da serpente?
- Conforme mencionei anteriormente, não tenho informações seguras sobre a real situação fiscal e financeira do Estado que permitam uma análise nesse sentido, até porque se em matéria publicada no G1, em 2020, o Pará era o “Estado brasileiro com menos transparência em relação a dados divulgados sobre Covid 19”, como ter segurança quanto às informações sobre receitas e, particularmente, sobre volume e qualidade dos gastos?
- Que obras ou realizações do seu governo o senhor considera mais importantes? Compare-as às obras e realizações do atual governo.
- Antes de qualquer coisa, quero deixar claro que sempre entendi que toda construção é necessariamente coletiva, sobretudo, se é uma obra pública. Assim, as obras realizadas por qualquer governo decorrem de um esforço da sociedade, e esse reconhecimento é fundamental. Foi essa compreensão que nos levou a determinar que nas obras mais importantes, ao lado das placas de inauguração, com os nomes do governador, vice, etc., se fixasse uma placa com o nome dos operários que trabalharam na obra, num reconhecimento simbólico, ainda que, talvez, muitas pessoas não tenham percebido ou valorizado. Nesse sentido, se tivesse que pontuar apenas uma obra, realização, ou marca importante do nosso governo, diria que foi o Respeito às Pessoas. Aí, para mim, reside o princípio de tudo.
“Nossa maior obra foi o respeito às pessoas: é o princípio de tudo”
- Jamais utilizamos o aparato ou poder do Estado para perseguir, intimidar, ameaçar desafetos, ou para obter vantagem ou atender desejo pessoal. Jamais tentamos impedir a crítica ou calar os críticos. E mesmo a forma desrespeitosa, mentirosa e amolecada com que os veículos de comunicação do atual governador atacavam a mim, ao governo e meus familiares, jamais foi objeto de qualquer truculência. Tudo por uma questão de caráter e respeito a princípios.
- Agora, especificamente, quanto a comparar, os hospitais regionais, o Hangar Centro de Convenções, o novo Parque do Utinga, o asfaltamento de milhares de quilômetros de estradas como a PA-279 (Xinguara-São Félix), PA-154 (Salvaterra-Cachoeira do Arari), PA-242 (Rota Turística Belém-Bragança), PA-255 (Monte Alegre-Santana do Tapará), PA-275 (Eldorado-Curionópolis-Parauapebas), PA-287 (Redenção-Conceição), PA-449 (Floresta do Araguaia), entre outras; as inúmeras pontes de concreto como a do Rio Capim, Rio Curuá, Igarapé-Miri, Pau D’arco, Ajuruteua e outros; o Cheque Moradia, o Cred-Cidadão, o Mangal das Garças; as avenidas Independência, João Paulo II, Perimetral; enfim, as centenas de obras feitas no nosso governo, com as realizações do governo atual, prefiro que a sociedade compare.
- É justo o que o Pará recebe pela exploração mineral no seu território, ou há de ser mudada a Constituição para tornar esse quadro em compensador?
- Historicamente, a Amazônia tem sido muito fértil na produção de mitos que têm povoado o imaginário de gerações. Frequentemente, transitamos de inferno verde para celeiro do mundo; de almoxarifado para santuário, num piscar de olhos. Essa visão bipolar e maniqueísta se reflete sobre os Estados e o Pará paga um alto preço por isso. Frequentemente colocado frente ao equivocado dilema: produzir x preservar, o Estado, atendendo interesses exógenos, acabou sendo transformado num grande produtor e exportador de minérios, com baixa agregação de valor. Fato que, em função da desoneração das exportações de produtos primários sem a devida compensação, aliada a uma forma equivocada na distribuição dos royalties têm efeitos perversos sobre o Estado.
“Duas ações de compensação junto ao STF beneficiam o governo até hoje”
- Só como exemplo, uma empresa exportadora instalada no Pará, ao comprar insumos utilizados para realizar suas exportações em outros Estados, paga ICMS para esses Estados nos quais realizou suas compras. Todavia, o Pará, além de não poder cobrar imposto sobre o que for exportado, ainda tem que devolver para a empresa aquele ICMS que ela já pagou em outros Estados. Ou seja, como dizem no interior, “além da queda, o coice”. Assim, a forte dependência econômica do Estado de exportações de baixo valor agregado e desonerada acaba reduzindo a base tributária do Estado e contribuindo para elevação das alíquotas de outro produto, penalizando a população.
- Considerando que não exportar imposto é uma prática mundial – ainda que tal comportamento possa ser discutido no caso de produtos primários. Quando estivemos no governo, ingressamos com duas ações no Supremo para melhorar as compensações, e uma delas teve algum sucesso, que tem beneficiado o atual governo, que está recebendo alguns milhões de reais. Entretanto, há que se ter presente que tais ganhos, nem de longe, compensam, minimamente, as reais perdas do Estado.
- Sua ligação com a cultura, como compositor e crooner em momento de transição da música; sua história como professor em período em que foi fundamental ensinar a pensar; seus três mandatos como governador do Pará no Brasil onde a coisa pública virou negócio privado… O senhor não tem vontade de contar essa história, dando seu testemunho e revelando o que precisa ser revelado?
- Sempre tive uma verdadeira aversão ao culto à personalidade, até por entender que essa prática é algo próprio dos ditadores e dos fantasiosos aspirantes a esse triste cargo. Talvez por isso sempre reagi a contar minha história pessoal. Precisaria encontrar uma forma de tratar das histórias e “causos” do Estado nesse período, sem necessariamente me colocar como personagem central, como normalmente ocorre nas autobiografias. Talvez, se encontrar o mote…