O que estava difícil fica pior: decisão remete a mais sete anos de espera, no mínimo, enquanto população da Região Metropolitana de Belém ficará sujeita ao mau cheiro que exala até na capital/Fotos: Divulgação.  

Deve haver algo mais que lixo nessa história do Aterro Sanitário de Marituba, onde Belém, 1,5 milhão de habitantes, Ananindeua, 540 mil e o próprio município despejam seus resíduos. Agora, e somente agora, a Justiça resolveu mexer na lixeira e devolveu para a Comarca de Marituba o processo que trata da contratação ilegal, por dispensa de licitação, da Guamá Tratamento de Resíduos Sólidos, à época portando apenas uma licença ambiental provisória.

MP opinou pela extinção

A ação popular questionando a decisão da Prefeitura de Belém de fechar o Lixão do Aurá, forçando da noite para o dia uma emergência que permitiu a contratação do Aterro de Marituba com dispensa de licitação, data de 2015. Agora, sete anos depois, a Justiça do Pará resolveu flexibilizar a regra, declarando a incompetência do Juízo de Belém, sede da prefeitura que fez a dispensa, para remeter os autos para a Comarca de Marituba. Detalhe: depois desse tempo todo de silêncio, o Ministério Público opinou pela extinção do processo, tese que, por absurda, não poderia ser aceita, daí a graciosa decisão de “empurrar o caso com a barriga”, ou “toma que o filho é teu”.

A arte de criar problemas

Pior para os advogados que patrocinaram a ação popular, e muito pior para os moradores da Região Metropolitana de Belém, inclusive a capital. Aos advogados resta a alternativa de aceitar a decisão da Justiça ou recorrer, nesse caso, sendo obrigados a aguardar que o Tribunal de Justiça devolva o processo para que se inicie nova instrução processual, o que daria no mesmo. 

Se a licitação tivesse sido feita conforme a legislação, depois de ser aplicada a politica nacional de resíduos sólidos e do fechamento do ambientalmente correto do Lixão do Aurá, a Revita, atual gestora do Aterro de Marituba, teria ficado de fora e nada e nem mau cheiro haveria nessa história, para o bem da população de Marituba e região.

Veja a decisão:

Tribunal de Justiça do Estado do Pará

5ª Vara da Fazenda Pública e Tutelas Coletivas

Decisão

Trata-se de ação popular com pedido de tutela liminar ajuizada por Erika Markete Aires da Silva e Carlos André Ferreira Nai, os quais deduziram pretensão em face do município de Belém e Guamá Tratamento de Resíduos Ltda. Objetivam os autores a suspensão e posterior nulidade da eficácia do Processo de Dispensa de Licitação nº 02/2015-Sesan e do Contrato Administrativo nº 09/2015- Sesan/PMB e suas consequências jurídicas, que foi celebrado entre o Município de Belém e Guamá Tratamento de Resíduos Ltda.

Segundo os autores, o instituto da dispensa de licitação foi aplicado de forma errônea, pois a dispensa guerreada não se aplica às hipóteses previstas em lei, já que o suposto estado de emergência para dispensa do procedimento licitatório, em verdade, não ocorreu. Alegou, ainda que o procedimento feriu decisão judicial que homologou Termo de Ajustamento de Conduta firmado entre Ministério Público do Estado do Pará, Municípios de Belém, Ananindeua e Marituba.

Após longa marcha processual e devida instrução do processo, o Ministério Público, em parecer “…sem aprofundar o mérito das questões suscitadas (…) informa que já tramitam tanto a ação judicial de execução do TAC em face dos Municípios signatários, nesta 5a. Vara, justamente para a recuperação ambiental integral do Aurá, bem como outras, no juízo de Marituba, em razão dos danos ambientais ocorridos no processo de operação daquele Aterro. Por este motivo, houve perda do objeto desta ação, pois a única questão de fundo – a licitude da dispensa e da inexigibilidade de licitação nos contratos passados – já teve decisão judicial que o analisou e o confirma, o que demonstra a perda superveniente de objeto…”. A autora foi intimada a apresentar manifestação, oportunidade em que disse que “…o principal objeto da demanda da sociedade belemense é a licitude da dispensa e da inexigibilidade de licitação e não o cumprimento do TAC ou a reabertura do Aurá…”.

Em seguida, asseverou que “…o não o cumprimento do TAC ou a reabertura do Aurá, são pedidos acessórios e feitos com intuito de demonstrar a este Douto Magistrado que a Prefeitura Municipal de Belém dispunha de alternativas viáveis, mas que, escolheu a dispensa de licitação ilegal, depois que inviabilizou todas as demais alternativas, inclusive sucateando o Aterro do Aurá de forma proposital…”. Reiterou assim o pedido inicial para que fosse declarada a nulidade Processo de Dispensa de Licitação n.º 02/2015 – Sesan e do Contrato Administrativo nº 09/2015- Sesan/PMB e suas consequências jurídicas, entre a Prefeitura Municipal de Belém, através Sesan – Secretaria de Saneamento, com fundamento no art. 24, inciso IV, da Lei Federal nº 8.666/93, e a empresa Guamá – Tratamento de Resíduos Ltda. com os devidos efeitos, incluindo o ressarcimento dos prejuízos ao erário.

É o relato necessário. Decido.

Ao cotejar os fatos narrados na petição de ingresso e a pretensão deduzida pela demandante, infere-se que a questão em debate, ou seja, a dispensa de licitação e a concretização de tratativa entre Município de Belém e Guamá – Tratamento de Resíduos Ltda. (Contrato Administrativo n.º 09/2015-SESAN/PMB), possui um interesse jurídico que é de âmbito regional.

Entretanto, ao analisar o caso a devida acuidade, infere-se que a causa de pedir e os pedidos estão diretamente relacionados à política intermunicipal de gestão de resíduos. E isso não apenas porque Central de Processamento e Tratamento de Resíduos Sólidos da empresa ré fica situada no Município de Marituba, mas, também, porque o próprio TAC a que alude a petição inicial foi firmado pelo Ministério Público, em conjunto com os Municípios de Belém/PA, Ananindeua/PA e Marituba/PA.

Diante disso, convém ressaltar que essa questão tem sido objeto de amplos debates na via judicial, em feitos que tramitam nas Comarcas de Ananindeua e Marituba. Especialmente em relação ao que sucede na Comarca de Marituba, em razão de lá estarem em curso diversas ações envolvendo à empresa para quem foi concedida a prestação de serviço de operação de aterro sanitário. Subsiste, pois, íntima conexão entre as questões postas neste feito e as demais que são tratadas nos feitos em curso na Comarca de Marituba, local onde estão situados o antigo “lixão” e a Central de Processamento e Tratamento de Resíduos, de propriedade da empresa ré.

Será, portanto, de suma importância, que a abordagem judicial, no presente caso, tenha como referência uma análise sistêmica da problemática, sob pena de, não o fazendo, deixar escapar muitas das questões fáticas e jurídicas importantes. Afinal, trata-se de um assunto que é de interesse da população dos três municípios.

Tendo esse raciocínio como ponto de partida, compreendo que o presente feito deverá ser dirimido pelo juízo que, há tempos, já está envolvido com a questão, percebendo-a em sua inteireza e complexidade.

É nesse sentido que o legislador processual preconizou a possibilidade de flexionar a regra da competência quando, mesmo sem conexão, houver o risco de decisões conflitantes ou contraditórias em processos que tramitarem por juízos diversos (art.55, §3º do CPC). Diante disso e consoante as razões precedentes, declaro a incompetência deste Juízo para processar e julgar a presente demanda, com suporte no art.55, §3º do CPC.

Em razão deste comando, o feito deverá ser remetido ao Juízo da 3ª Vara Cível da Comarca de Marituba, eis que é o juízo da comarca por onde tramitam processos cuja causa de pedir está relacionada à atividade de prestação de serviço de operação de aterro sanitário.

Belém, 19 de julho de 2022.

Raimundo Rodrigues Santana

Juiz de Direito da 5ª Vara de Fazenda Pública e Tutelas Coletiva