O primeiro a cair foi o PT, empurrado por Beto Faro; depois veio o Psol, com Edmilson Rodrigues e Marinor Brito. Então, a esquerda derreteu, morreu no campo e na cidade, a olhos vistos e em grande estilo/Fotos: Divulgação.

Em nome da conservação de cargos, de contratos, do ‘status quo’ e da preservação do presente, a finada esquerda abriu mão de tudo.

Por Olavo Dutra | Colaboradores

A soberania popular fala a cada quatro anos, é verdade, mas sua vontade terá sempre de conviver com a vontade da casa-grande”, escreveu Roberto Amaral, ex-presidente do PSB em artigo publicado na Carta Capital no momento em que seu partido cedia a legenda para Geraldo Alckmin ocupar a vice-presidência na chapa de Lula.

 “O poder pelo poder – a ocupação das sinecuras e os negócios de Estado – é o fim e a justificativa do concurso partidário”, escreveu o ex-ministro de Ciência e Tecnologia de Lula.

Amaral fez o mais virtuoso obituário da esquerda que um dia quis tomar o poder e que se transmutou em uma corrente subalterna e rendida à burguesia brasileira, mandante desde a colônia, e que se caracteriza pela alta maleabilidade, capacidade de vencer obstáculos e de se manter no comando da política e dos negócios que dela derivam, sempre apta a ceder alguns poucos anéis de latão para conservar o dedo em riste com que manda e desmanda em tudo e em quase todos.

O debacle do movimento social organizado – o esvaziamento dos sindicatos enfraquecidos pelo fim do imposto sindical e a rendição das associações de moradores, substituídas ou subjugadas por igrejas neopentecostais e pelo crime organizado nas periferias – se somou à fragmentação da esquerda em milhares de pautas identitárias, enfraquecendo o movimento social e criando não apenas um caldo de cultura onde a direita totalitária cresceu e permanece grande, mas também gerando partidos retóricos de uma pseudo esquerda que sobrevive nas redes sociais de likes e compartilhamentos, mas sumiu das ruas e do dia a dia do povo das periferias e do campo, onde a esquerda verdadeira outrora vicejou.

Réquiem para o passado

Desse modo, silente, sem que ninguém se desse conta, no Pará da Guerrilha do Araguaia a esquerda desapareceu. Morreu. Sem choro nem vela, nem uma fita amarela. Em nome da conservação de cargos, de contratos, do status quo, da preservação do presente, a finada esquerda abriu mão de tudo para se submeter ao projeto baratista e caudilhesco que está posto.

A então senadora Marinor Brito, companheira de Edmilson Rodrigues no combate ao barbalhismo, no passado, dizia, em dezembro de 2011, que “não é fácil para pessoas de bem, honestas e que se pautam pela ética ver políticos que cometeram crimes gravíssimos obterem atestado de bons antecedentes e retornarem ao cenário político como se nada tivesse acontecido”. O comentário tinha endereço.  Essa era a fala dela e de Edmilson, que também se insurgiu contra o que chamou, a certa altura, de “genocídio dos povos indígenas praticado pelo governo Lula”. 

Conspurcação universal

O apagamento da memória dessa esquerda é parte de um processo histórico que acontece a olhos vistos. Para que se consumasse, essa esquerda precisou, é claro, deixar de ser de esquerda, pois impôs-se deitar e conspurcar com as elites a quem atacava ontem, abandonando a luta de classes – vencida pela conciliação, a reforma agrária -, vencida pelo agronegócio – e a defesa do Estado e da empresa nacional -, vencida pela globalização dos grandes projetos que seguem impunemente punindo os povos do Pará.

Ladeira do ‘puxadinho’

O primeiro a cair foi o PT, trocado pelos interesses pessoais e familiares do cacique do momento, Beto da Fetagri Faro, que viu na venda da legenda ao governador – de porteira fechada – o passaporte para um mandato que jamais teria como comprar ou conquistar por conta própria.

O antes combativo PT paraense tornou-se apenas um puxadinho do MDB, legenda maiúscula que ocupa um ministério inteiro, enquanto os petistas caboclos ocupam apenas cargos, dependendo do “chefe” – como o senador do governador faz questão de nominar – para todo o resto. “Uma terra sem amos” deu lugar ao amor eterno pelo líder, a quem seguem sem saber sequer o destino para onde estão sendo levados.

Logo depois veio a esperada rendição do Psol. E veio em grande estilo: Edmilson Rodrigues, que no passado mordeu o dedo – ou teria sido a orelha? – de um coronel da PM em defesa de suas ideias, virou a sombra pálida de si mesmo. Uma caricatura viva. Não tem mais ideias próprias. Sequer é dono da própria imagem, agora entregue a marqueteiros estrangeiros que lhe dizem o que dizer e até como sorrir.

Surfe na onda alheia

Sem projetos, segue a COP 30 do governador, o Parque da Cidade do governador, o Mangueirão do governador, o Minha Casa Minha Vida do governador. Age e fala como se fosse um secretário estadual a mais e tem seu destino totalmente entregue aos ditames do governador. O antes altivo alcaide que desafiou Almir Gabriel virou arroz de festa em inaugurações de obras que não são suas, na assinatura de convênios sem os quais seria asfixiado pela má gestão da própria máquina, renunciando até ao dever do proselitismo, do qual, aliás, se afastou desde as eleições de 2020, dependente feliz de uma relação subalterna.

Barriga de aluguel

Em nome dessa sobrevivência subalterna, o pequeno Edmilson arma uma tática em que se presta ao papel de barriga de aluguel para que o MDB chegue ao controle da prefeitura da capital sem precisar passar pelo escrutínio popular, com o governador indicando o vice fisiológico de Edmilson, que renunciaria ao mandato para ser suplente do próprio governador na disputa do Senado em 2026. Um desenho simples e sorrateiro à margem da vontade do eleitor, como a velha política sempre fez, mas agora com a cumplicidade festiva da esquerda moribunda.

Estertores na rede social

Talvez alguém ache exagerado dizer que a esquerda morreu, porque nas redes sociais ela ainda esperneia. Não se deixe enganar: são espasmos ‘pós mortem’, um sintoma de que esse campo político não é mais capaz de impor outro horizonte econômico-político senão o da continuidade do que está aí e só conhece um horizonte de atuação, o populismo eleitoral e o rasteiro jogo econômico que garante vencer eleições. A disputa pela história, essa se perdeu em troca do pragmatismo do agora.

Ao fim e ao cabo, os boletos venceram a revolução.

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