Prédio da icônica loja Paris N’América, inaugurado em 1909, em meio ao ciclo da borracha e da Belle Époque é hoje um retrato romântico no Centro Comercial de Belém, sufocado pelo comércio informal e pela depredação do patrimônio histórico. Em cidades históricas como São Luís a realidade é bem diferente/Fotos: Divulgação-Sérgio Chêne.

Por Sérgio Chêne | Especial

Na Belém de 1909 era inaugurada a loja Paris N’América, que representou uma época de grande desenvolvimento econômico na Amazônia, impulsionado pelo ciclo da borracha. Ainda hoje, quem for até a histórica loja à rua Santo Antônio encontra os tradicionais tecidos, mas, nas imediações, o que se vê é a explosão do comércio informal, sem um ordenamento e um prédio sufocado fisicamente. 

“Tanto na Santo Antônio quanto em outras ruas, ainda conseguimos encontrar prédios e casarões, mas que estão se perdendo pela falta de conservação”, relata um comerciante que prefere não se identificar.

Riqueza da borracha

Publicado em 2015, o artigo intitulado “Comércio e consumo de moda em Belém: Paris N’América e o início do Século XX”, de autoria de Maria Henriques Ferreira, especialista pela Universidade da Amazônia, qualificou a loja como exemplo do consumo de luxo feminino dos idos anos 1900. A casa comercial é uma das poucas que ainda se mantêm com os contornos da arquitetura europeia em estilo eclético, inaugurada em 1870, mas com a construção finalizada em 1909.

O artigo traz o fato de Belém ter se modernizado diante da valorização do látex no mundo, o que acabou por gerar “ostentação pelo luxo”. Imaginava-se que a Belle Époque pudesse ser um carimbo cultural e manter vivos os espaços históricos, mas não foi bem assim. “Eles retiram esses azulejos portugueses, pois já sabem do valor no mercado e tem quem pague”, disse o comerciante. “Eles” seriam moradores de rua, que estariam retirando o material das paredes dos casarões localizados à rua Leão XIII. Muitos casarões seguem tomados por vegetação e outros enxertados de tijolos para evitar a ocupação. Na Leão XIII reina a cena de uma ‘cracolândia’.

Política de Estado

“A revitalização de centros históricos e a transformação desses espaços em complexos de lazer, entretenimento e cultura é uma iniciativa de uso sustentável do espaço urbano adotado em vários territórios, no Brasil e no exterior. Quem visita o Recife Antigo ou o Bairro Alto, em Lisboa, não pode deixar de admirar a conservação do patrimônio histórico e sua inserção na vida da cidade com inegáveis benefícios advindos com o turismo”, aponta o professor da Faculdade de Turismo da UFPA, Álvaro do Espírito Santo (foto)

 Prestes a fixar residência na capital paraense, o gerente comercial Jalmir Luz, 45 anos, revelou os esforços das autoridades maranhenses para manter a área histórica da capital São Luís como espaço público de convivência. “No governo Cafeteira (Epitácio) foi feita mega reformar e revitalização da região, que recebeu o nome de Projeto Reviver, expressão até hoje usada. ‘Vamos lá no Reviver?’”, diz o piauiense Jalmir, que reside no Maranhão desde 1990. 

 “O Centro Histórico de Belém, assim como o de São Luís, tem muito charme em função dos casarões antigos, das igrejas, dos palácios, dos becos e vielas. Porém, considero o centro mais abandonado e subutilizado, o que não acontece em São Luís, que mantém a tradição da organização e da decoração natalina, o que atrai cada vez mais os turistas”, avalia a paraense e executiva de negócios Janne Seabra, que aproveitou, junto com as filhas Juliana e Giovana (foto), a programação de Natal no espaço Reviver. “As autoridades do Pará deveriam investir na harmonização do Centro Histórico de Belém, com programação voltada para a família, de forma que pudéssemos sentir orgulho da nossa história”.

A “revitalização do Centro Histórico deveria ser uma política de Estado, com o uso de instrumentos para recuperação dos prédios deteriorados, a implantação de mecanismos de incentivo fiscal para as reformas e novos negócios, como hotéis de charme e espaços de arte, cultura e gastronomia”. O professor Álvaro do Espírito Santo adverte para a necessidade de uma liderança para articular os interesses envolvidos, a fim de não prevalecer interesses de poucos. 

Boulevard Gastronômico

A Fundação Cultural de Belém informa “que realiza constantes fiscalizações e obras para manter a identidade dos casarões do Centro Histórico e Centro Comercial preservados”. Dentre as obras mantidas há a restauração do Palácio Antônio Lemos, com investimento de cerca de R$ 26 milhões. A previsão é que seja entregue em dezembro de 2023. 

A prefeitura já iniciou as obras do Boulevard Gastronômico, onde serão investidos mais de R$ 5 milhões em parceria com os empresários da área do Boulevard Castilho França para desenvolver o turismo, a gastronomia e recuperar uma parte do Centro Histórico. A área do Boulevard Castilho França, onde ficam os casarões antigos será recuperada e passará por uma grande intervenção, envolvendo a criação de áreas de convivência, ciclofaixa, recuperação das praças e dos casarões. 

A Fumbel garante neste ano Departamento de Patrimônio Histórico vai realizar a atualização do inventário dos bens imóveis do Centro Histórico de Belém.

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