Rua Justo Chermont, ponto nevrálgico do comércio de Abaetetuba a caminho da feira popular está paralítica e inútil. É apenas parte do cenário caótico criado por instâncias superiores, que administraram o remédio e esconderam a posologia/Fotos: Redes Sociais.  

Por Olavo Dutra

Rua interditada pelo Ministério Público Federal atravanca vida da população há três anos sem sinal aparente de recuperação, reacendendo a lenda de que, um dia, o bicho vai se mexer da cabeça ao rabo.

A ‘Cobra Grande’ que embala o imaginário do caboclo de Abaetetuba – município distante cerca de 120 quilômetros de Belém e população de mais de 150 mil habitantes – deve ter despertado. Ou mexeu o rabo.

Diz a lenda que, de tão grande, a cobra mantém a cabeça em uma ilha distante, mas repousa o rabo na catedral, no centro da cidade, a igreja de Nossa Senhora da Conceição, padroeira do município.

Desde dezembro, para espanto dos antigos da região e dos trabalhadores que fervilham na feira, Abaetetuba tem sido sacudida por tremores causados pela força das águas. “É a Cobra Grande”, diz unzinho ao consumidor acidental em busca de carnes de animais silvestres.

A feira é um convite à gastronomia: carnes exóticas abundam – jacaré paca, tatu, capivara -, bem mais que proteínas legalizadas, vendidas, aliás, a preços módicos por falta de inspeção sanitária. Mas, nos últimos dias, o que mais se comenta é o despertar da ‘Cobra Grande’.

Toda vez que a ‘Cobra Grande’ se mexe, as águas poluídas do rio Maratatuíra, que banha a cidade, estremecem e levam o recado. Os choques violentos contra as ocupações desordenadas erguidas ao longo da orla devem significar alguma coisa na crença dos caboclos, mas não para as gestões públicas que vêm se desdobrando anos e anos sem a devida preocupação de manter a ‘Cobra Grande’ quieta; pelo contrário.  

Área restrita, semimorta

Há pelo menos três anos, uma situação inusitada coloca em lados opostos na cidade de Abaetetuba a prefeitura municipal e o Ministério Público Federal. Entre os dois poderes – e as decisões draconianas das partes – aparece uma população oprimida, no mais das vezes fazendo figa pelo despertar da ‘Cobra Grande’ de uma vez por todas, na incrível, mas sábia crença de que o caos total precede o renascimento.

Boa parte da economia da cidade, baseada no comércio, está travada durante todo esse tempo por falta de vontade política e de teimosias. Nos idos do ano 2000, depois de mais um sacolejo provocado pela ‘Cobra Grande’, o Ministério Público Federal embargou um trecho da rua Justo Chermont, ameaçado de ser levado pela fúria do velho Maratatuíra. O trecho compreende um dos pontos mais movimentados do comércio local e leva direto à feira popular, cuja frequência caiu vertiginosamente.

Lambada de serpente

Políticos, embaixadores de bugigangas, caixeiros-viajantes, feirantes descamisados, comerciantes estabelecidos, atravessadores, traficantes de animais silvestres e bêbados desvairados não escapam à restrição: a Justo Chermont levou uma lapada tão grande da ‘Cobra Grande’ que desacordou no cenário útil da cidade. Centenas de documentos entopem os gabinetes da administração com pedidos de providência, em vão.

Donos de imóveis na área de influência do trecho interditado não podem comprar, vender, alugar ou reformar bens enquanto durar a restrição do Ministério Público Federal. Abaetetuba definha ante a precariedade de um pedaço de rua envenenado pela ‘Cobra Grande’.

Um beco sem saída

E os últimos rumores ouvidos dos gabinetes do órgão municipal de trânsito e da própria Prefeitura de Abaetetuba são desalentadores diante dos penúltimos: a prefeita ‘lavou as mãos’ e nada pode fazer.