Instituto Escolhas aponta que volume negociado equivale à metade da produção nacional e expõe ligações entre empresas do setor financeiro e outros elos da cadeia do ouro, dos garimpos na Amazônia até o mercado internacional.
Entre 2015 e 2020, o Brasil comercializou 229 toneladas de ouro com indícios de ilegalidade. O número inédito e alarmante foi levantado pelo novo estudo do Instituto Escolhas, lançado ontem, por meio da análise de mais de 40 mil registros de comercialização de ouro e imagens de extração. Para Larissa Rodrigues, gerente de Portfólio do Escolhas, “o estudo mostra que os indícios de ilegalidade são muito maiores do que se imaginava e confirma que essa situação é recorrente. Uma consequência da total falta de controle e transparência na cadeia do ouro”.
Das 229 toneladas de ouro com indícios de ilegalidade, o estudo identificou que um terço, ou 79 toneladas, foi comercializado por cinco Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários, que compram ouro de garimpos na Amazônia. São elas: a F.D’Gold, a Ourominas, a Parmetal, a Carol e a Fênix DTVM. O estudo confirmou ainda que essas distribuidoras, autorizadas a funcionar pelo Banco Central, possuem vinculações empresariais e familiares por toda a cadeia do ouro.
Há casos de pessoas de uma mesma família, por exemplo, que controlam tanto uma distribuidora como garimpos com indícios de irregularidades que venderam ouro para essa mesma cadeia. Os elos encontrados incluem ainda empresas de refino, de transportes, de exportações, entre outros.
Isso é um problema, pois uma das leis que trata da comercialização de ouro dos garimpos, a Lei 12.844/2013, exime as distribuidoras da responsabilidade pelas irregularidades, garantindo que suas compras de ouro sejam feitas com base na boa-fé. Mas, o fato dos próprios responsáveis por distribuidoras, ou, ainda, seus familiares e empresas vinculadas poderem ter lavras, além de outros negócios na cadeia, gera um conflito de interesses entre quem deveria estar interessado na legalidade do ouro adquirido e quem presta a informação sobre a origem do metal.
Negócios de família – “As vinculações familiares e empresariais na cadeia do garimpo inviabilizam controles adequados. Soma-se a isso um enorme volume de ouro que circula pelo mercado com indícios de irregularidades. Ou seja, não é razoável operar com a boa-fé nessas transações. A legislação precisa ser revista e o Banco Central precisa fiscalizar e acompanhar de perto”, explica Larissa.
De acordo com o estudo, os indícios de irregularidades contaminam também os mercados internacionais. Em 2020, a Índia, sexto maior comprador de ouro do Brasil, importou ouro das empresas FNX Comércio de Metais e Fênix Metais do Brasil – ambas vinculadas ao grupo da Fênix DTVM, que possui indícios de ilegalidade na comercialização do metal. Foram realizados cinco embarques de ouro pelo Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, que chegaram à refinadora Yash Oro India Private Ltd, em Telangana.
Outros países que compram ouro do Brasil, como Canadá, Suíça e Reino Unido, também estão expostos a esse risco. Para Rodrigues, “a situação é grave e mostra que o Brasil é um fornecedor de ouro contaminado para o mundo. Os países importadores precisam controlar a origem do que compram ou serão coniventes com o que acontece na Amazônia”.
Como combater o problema – O estudo defende que para evitar a contaminação por irregularidades e avançar em seu combate é preciso que o Brasil adote um sistema obrigatório de rastreabilidade da origem do ouro. As bases para isso estão no Projeto de Lei 836/2021, elaborado com apoio técnico do Escolhas. Os países importadores também precisam exigir esses sistemas. Outra medida importante trazida pelo estudo é a necessidade de acabar com os benefícios conferidos por lei aos garimpos. O documento ressalta que – longe de operar em escala artesanal – os garimpos são organizações industriais e precisam ser tratados como tais. Por isso, o regime de Permissão de Lavra Garimpeira deve ser extinto (Com informações de Salete Cangussu/imprensa@escolhas.org/Yasmin Ribeiro/Approach Comunicação).