Neste país, cujo presidente da República é contumaz defensor das fake news, faltar com a verdade seria até enfadonho – se não fosse sádico. Criminosamente sádico.
Sem o menor pudor, Jair Bolsonaro voltou a sustentar a tese de que mentir é um ato de liberdade. Na Cúpula pela Democracia, dirigindo-se a mais de 100 chefes de Estado – portanto, ao mundo todo -, ele primeiro caprichou na lorota: “Temos trabalhado com determinação para forjar uma cultura de diálogo, liberdade e inclusão social”.
Diálogo? Não é isso que demonstram os bolsonaristas, incentivados pelo próprio, ao propor o fechamento do STF e a dissolução do Congresso Nacional, alguns deles processados, presos ou foragidos.Que papo é esse?
Liberdade? Não é o que pensa a ONG Human Rights Watch, em relatório que aponta as ameaças golpistas de Bolsonaro, lembrando que o Capitão é apologista da ditadura e da tortura e já insinuou que “corremos o risco de não ter eleições no ano que vem”. Tá OK?
Inclusão social? Pelamordedeus! Um relatório da Câmara Federal demonstra que Bolsonaro já desidratou nove políticas públicas para garantia de direitos da população negra. A Anistia Internacional listou mais de 30 violações deste governo, “contra defensores e defensoras dos direitos humanos, negros e negras, moradores de favelas, indígenas, pessoas LGBT e mulheres”.
“Bondade” em causa própria
Bolsonaro também disse que está empenhado “em assegurar as liberdades de pensamento, associação e expressão, inclusive na internet”, Um desarranjo de argumentos para justificar o injustificável. O que o presidente deseja, no fundo, no fundo, é uma tácita permissão para a propagação de fake news e a difusão do discurso de ódio, que, acredita Jair, haverão de reelegê-lo. Tal permissão estapafúrdia também daria ao próprio presidente, imagina ele, a proteção da impunidade para dizer as besteiras que quiser, inclusive as criminosas.
Afinal, Jair Messias não é muito amigo da verdade. Só o Youtube já retirou do ar 33 vídeos do presidente, por violar, afrontar e distorcer os fatos. A última pérola dele foi associar a vacina contra covid ao vírus da Aids – o que já lhe rendeu mais um processo no STF.
O presidente da República é apontado, no Relatório da CPI da Pandemia, como “líder e porta voz” das fakenews. O relatório ainda afirma que Bolsonaro e seus filhos, o senador Flávio, o deputado Eduardo e o vereador Carlos, comandam uma “organização oculta e complexa” que espalha mentiras pelo Brasil. Só no Brasil, não. Lembra daquele discurso na ONU?
“A Amazônia permanece quase intocada”, mentiu Bolsonaro. Mesmo informado pelo INPE, que faz parte do seu governo, de que a taxa de desmatamento da Amazônia Legal Brasileira aumentou 21,97% somente em um ano.
Que coisa feia, presidente.
Conexões perigosas
O perigo das falsas notícias e suas conexões com outras condutas criminosas, que tanto apetecem o presidente Bolsonaro, vieram à tona novamente, este mês, para agonia do deputado federal José Ricardo Wendling (PT-AM). Espalhou-se feito capim, nas redes sociais, ganhando espaço na imprensa escrita, falada e compartilhada, uma notícia atribuída ao Portal G1 sobre suposto projeto do deputado amazonense propondo a proibição da sinuca, por ser um jogo racista.
Em defesa da ideia, segundo a notícia falsa, José Ricardo argumentava que, nesse jogo, a bola branca representa o supremacismo ariano, a bola preta corresponde à raça negra, sempre perseguida e jogada no buraco, e o número 8 simboliza as algemas da escravidão.
O argumento dos canalhas
A mentira tenta constranger o deputado petista, associando-o a uma ideia inverossímil, concebida para virar piada. Mas não é só isso, não, e não tem nenhuma graça.
Criar e espalhar uma história dessa, maquiada por fraude para parecer notícia, também revela a tentativa de desqualificar a luta, histórica, legítima e inadiável, contra a discriminação, a intolerância, o racismo e a desigualdade. Essa fake news se apropria de argumentos valiosos para desvalorizá-los, pela pilhéria e pelo deboche. Pretende reforçar, de forma desumana, um estigma que alguns tentam colar no movimento negro, afirmando que é “vitimista”, “radical”, “exagerado”, já o Brasil, este país tropical, abençoado por Deus, é a cara da democracia.
Um argumento canalha, hipócrita e imperdoável, sempre usado pelos racistas, supremacistas e negacionistas, que tentam sublimar o discurso de ódio pelo recurso da falácia.
São criminosos como esses que Bolsonaro, o “líder das fake news”, quer ungir à condição de vestais da liberdade de expressão.
Uma ova! Deus nos livre e guarde dessa maldição.