Celso Sabino ronda o cenário político em Belém, que em pesquisa recente aponta o delegado federal Everaldo Eguchi tecnicamente empatado com o prefeito Edmilson Rodrigues e com Ursula Vidal, secretária de Cultura do governo Helder Barbalho/Fotos: Divulgação.

Por Olavo Dutra | Colaboradores

Tem um quê de ‘vocês vão ter que me engolir’ na eventual nomeação de mais um paraense ao governo Lula. O ex-tucano Celso Sabino não faz o tipo que ‘entrega a encomenda’ do PT, muito menos de Lula, mas está a um passo da Esplanada para acomodar interesses do União Brasil.  

No concorrido evento com o presidente Lula em Belém, semana passada, motivado pela assinatura, dentre outros atos, da cessão dos galpões da CDP para obras do Estado, provocou mal-estar entre autoridades presentes a sonora vaia tomada pelo deputado Celso Sabino, empoleirado junto aos ilustres convidados no palanque. A vaia, que batizou publicamente o deputado pouco afeito ao contato com o povo e refratário à luz do sol, se deveu ao estranhamento, para uma plateia lulista empunhando bandeiras vermelhas, da presença em destaque de um notório bolsonarista, que tem desafiado o governo ao votar constantemente contra os interesses progressistas, incluindo seu voto no polêmico Marco Temporal – aquele PL que transfere a data do “descobrimento do Brasil”, quando os portugueses encontraram um território ocupado por milhares de nações indígenas, para 1988, quando o Congresso brasileiro promulgou a atual constituição.

Sabino, dizem os petistas em alto e bom tom, condenou a indicação de Lula como ministro da Casa Civil pela então presidente Dilma Rousseff, em 2016, abrindo as portas para sua prisão e aumentando o peso da narrativa anti-PT que imperava na imprensa de então. Na ocasião, Sabino afirmou que a nomeação era uma “tramoia do PT para garantir foro privilegiado a Lula”, já ali investigado pela Operação Lava Jato de Moro e Dallagnol.

Sabino recentemente apagou a postagem, esquecendo que a memória é falha, mas o print é eterno.

Fiscal da receita

Com salário mensal de R$ 41 mil brutos, o deputado em segundo mandato triplicou patrimônio no último. Em 2018, quando se elegeu deputado federal, o ex-tucano informou à Justiça Eleitoral ter patrimônio avaliado em R$ 1,5 milhão. No ano passado, na reeleição, declarou bens que somam R$ 4,4 milhões – entre eles uma aeronave de R$ 300 mil, além de um apartamento avaliado em R$ 1,1 milhão.

Administrador, advogado e auditor fiscal do Estado, filho de família abastada, a habilidade com os números talvez explique a solidariedade do paraense com Aécio Neves (MG), ao ponto de comportar-se como relator benevolente do pedido de expulsão do mineiro, em 2019, cujo assessor e primo fora flagrado, em 2017, carregando malas de dinheiro, supostamente R$ 2 milhões de propina da JBS.

Aliado e confidente do polêmico presidente da câmara Arthur Lira, considerado um relações-públicas talentoso e anfitrião cuidadoso, Sabino não tem em seu currículo nenhum discurso notório, nenhuma performance extraordinária ou projeto de lei efetivamente relevante; muito menos em defesa do Pará. Mesmo assim, é objeto de frenética movimentação do partido União Brasil junto ao Planalto para fazer dele o novo ministro do Turismo, justamente em um governo que o deputado não queria que existisse, já que apoiou desde a primeira hora a reeleição de Jair Bolsonaro.

Futuro ministro

Há três semanas, a imprensa nacional começou a dar como certa a indicação do paraense para substituir Daniela Carneiro no Ministério do Turismo. Deputada mais votada do Rio de Janeiro, em 2022, Daniela foi uma indicação pessoal de Lula, para agradecer o apoio de seu marido Wagner Carneiro, prefeito de Belford Roxo, na Baixada Fluminense, zona dominada pelo crime organizado, pelas corporações neopentecostais e pelo bolsonarismo.

Com a onda de boatos circulando, a imprensa corroborando e Sabino já posando como futuro ministro, Daniela e Waguinho, como é conhecido o prefeito da Baixada Fluminense, foram recebidos por Lula, ganhando a ministra uma sobrevida de mais alguns dias, enquanto os operadores do planalto preparam a catapulta de onde ela será arremessada.

O líder do União Brasil, Elmar Nascimento (BA), teria sido o responsável pela indicação do nome de Sabino para substituir Daniela, contando também com o apoio de Arthur Lira, o poderoso presidente da Câmara dos Deputados.

Entrega de votos

Representação suprema do Centrão, a ala mais fisiológica do congresso, tanto como conceito institucional quanto como arranjo histórico, o União Brasil ocupa três ministérios, mas não vem entregando os votos necessários em pautas importantes para o Executivo. O isolamento do presidente da legenda, ignorado pelo Planalto, tem sido apontado como a origem da infidelidade do UB e a aceitação de uma indicação sua é vista como sinal verde para a fidelidade da base nas votações cruciais para o Palácio do Planalto.

A análise das votações de Sabino, contudo, emite sinais dúbios em relação a qualquer sinal de fidelidade dele ao governo que se elegeu com uma pauta de esquerda. Simpatizante do bolsonarismo, autor da PEC da Impunidade – aquela que restringia a prisão de parlamentares – e listado como conservador por suas votações no Congresso, o provável futuro ministro está longe de figurar entre os deputados mais governistas.

O índice de governismo de Celso Sabino é de 66%, contabiliza o DataFolha. Luciano Bivar, por exemplo, votou em 100% das oportunidades, conforme a orientação do Planalto, demonstrando que sabe entregar a encomenda, coisa que Sabino não entrega.

De baixo para cima

Localmente, essa articulação que eleva Sabino diretamente do baixo clero para o primeiro escalão da política nacional acrescenta elementos inesperados na sucessão de Helder Barbalho, em 2026. Esperto, Barbalho III – considerando que o senador é o primeiro e o primogênito, Jader Filho, seria o segundo – tenta fazer crer que estaria feliz com a nomeação “de mais um paraense para a Esplanada dos Ministérios”. Puro engodo. Sabino não faz parte do grupo. É egresso do PSDB de Simão Jatene e deve em parte a ele e a seu governo sua ascensão federal.

Quando o ninho tucano era o centro da alta política nacional e imperava como um monólito invencível no território paraense, com sucessivas vitórias majoritárias para o governo, Senado, prefeituras e também para as casas legislativas, Sabino era presença certa nos bastidores e nas articulações.

Com Jatene, foi titular da Secretaria de Trabalho, Emprego e Renda mesmo estando em outra legenda, o PR. Em 2013, se filiou ao PSDB e foi eleito deputado estadual pelo partido. A ascensão de Sabino, um ministro conservador de um governo progressista terá um papel central na reorganização da base social e política que antes orbitava em torno do PSDB e esse efeito inesperado não pode ser ignorado por Helder Barbalho, sob risco do governador ser pego de calças curtas.

É a primeira vez desde 2018 que esse bloco está diante de um trampolim para a máquina federal.

Trampolim federal

Um dos possíveis pontos de alavancagem de Sabino no Pará pode ser Márcio Miranda, ex-presidente da Assembleia Legislativa e candidato a governador que amealhou 1.663.045 votos. Miranda acaba de tornar-se dono do PTB, partido de base bolsonarista e está circulando o Estado em busca de candidaturas fortes em municípios relevantes, como os do sudeste, onde a base conservadora mantém acesa uma oposição ativa tanto a Lula quanto a Helder Barbalho. Em Belém, o PTB de Márcio Miranda filiou Everaldo Eguchi, delegado afastado da Polícia Federal, que aparece em empate técnico com o atual prefeito Edmilson Rodrigues e com Ursula Vidal, a secretária de Cultura de Helder, em pesquisa publicada na revista “Veja”.

Outro ponto de alavancagem de Sabino pode ser a República de Ananindeua, onde ex-tucanos montaram um bunker em torno de uma prefeitura relevante, que tem à sua frente Doutor Daniel, um prefeito com mais de 80% de aprovação e que elegeu sua mulher, neófita na política, a deputada federal mais votada nas eleições de 2022.

Cavalo de troia

Com Helder Barbalho tateando na escolha de seu sucessor, o bloco neo-tucano, mesmo disperso em mais de uma legenda, tem chance de construir uma alternativa de poder relevante a partir de um cavalo de troia conservador em pleno governo Lula.

Sinceramente, por essa, nem o governador esperava.