Eterno problema da população, transporte público segue sem solução – e sem empresários interessados em explorar o sistema que, tecnicamente, está em vias de quebrar. Órgãos de fiscalização ‘acompanham’ os processos licitatórios da prefeitura, mas a solução fica para o Dia de São Nunca-Parte I/Fotos: Divulgação-Sérgio Chêne.
Por Sérgio Chêne | Olavo Dutra
Licitações da prefeitura resultam sistematicamente ‘sem interessados’ e testam a resiliência da população, que padece com transporte de má qualidade. MP e TCM dizem que acompanham o procedimento, como em todos os anos, identificam inconsistência no processo, como em todos os anos e a população que espere, que vá de táxi, ou de bike… Ou não vá.
Ari dos Santos, 27, mora na Passagem Mirandinha, bairro da Sacramenta, e trabalha no Centro de Belém. De segunda a sexta-feira, o supervisor de vendas se desvencilha do trânsito caótico por força da tração. Ari decidiu economizar R$ 12 diários e quase R$ 241 mensais com o uso diário da bike, diante da precariedade do transporte público.
“Uso a bike quatro vezes por mês. Ajuda muito, pois ganho tempo e saúde. Não perco mais tempo na parada esperando ônibus, que um dia passa em um horário e no outro, em outro”, revela o trabalhador. Segundo ele, o serviço prestado “não melhora por conta dos empresários: enquanto não tiver uma pressão grande da população, as coisas não irão mudar. O trabalhador fica à mercê disso”, sentencia.
A perder de vista
A desesperança de Ari e milhares de moradores de Belém se mantém há décadas como um problema estrutural da cidade que sonha sediar a Conferência do Clima, em 2025, o que reacende velhas e históricas necessidade de uma metrópole que parou no tempo. Renovam-se políticos e gestões e o cenário de ônibus lotados, calorentos, com portas e para-choques se desprendendo da estrutura do veículo e panes sucessivas se perpetua. Chove dentro do ônibus de Belém.
Junto e misturado
Informações oriundas de dois órgãos públicos de fiscalização sugerem a suspeita de existência de um grande esquema alinhado no contexto do sistema de transporte envolvendo empresários com a anuência do poder público, alimentado pela atuação de políticos. A denúncia seria a explicação – ou a justificativa – para o sistemático e estranho desinteresse pelos certames lançados pela Prefeitura de Belém, que resultam sempre desertos, com tendência a deixar tudo como está.
Deixa como está
Aparentemente, o ‘círculo vicioso calculado’ imobiliza as 20 empresas que operam no setor atualmente, a ponto de não haver, sequer, consórcio interessado na exploração do negócio. Segundo se especula, os empresários não estariam cumprindo suas obrigações de concessionários, preferindo investir no mercado imobiliário, de hotelaria e outros, em vez de manter a qualidade ou renovar a frota de veículos, sabidamente um negócio milionário. O certo é que o sistema de transporte público de Belém está falido, mas os empresários, não.
Voz da indignação
Terezinha Cordeiro, 43, é a porta-voz da indignação. “Eles (os empresários) só pensam no dinheiro, e não no conforto dos passageiros. É um descaso. Alguém deve estar ganhando alguma coisa com isso”, lamenta a diarista, que mora no Conjunto Sideral e aguardava o transporte em um ponto da avenida Almirante Barroso. “Como os repórteres entram e mostram a chuva dentro dos ônibus e fica por isso, ninguém faz nada? É vergonhoso.
Insegurança, problemas mecânicos e atrasos nas viagens levaram o vendedor Eduardo Silva, 22 (foto), a desistir do uso de ônibus como meio de transporte. “Eu deixei de andar de ônibus por conta dos assaltos, e dos pedintes. Às vezes, quando as pessoas não ajudam, eles ameaçam. A gente sai de casa, não demora o ônibus dá pane. Isso tudo me fez optar pela bicicleta: chego mais rápido, em 25 minutos; de ônibus uma hora”.
Auditoria independente
Observador com vivência e testemunha da novela reprisada em que se transformou o processo licitatório do transporte público em Belém sugere uma auditoria independente sobre a atuação das empresas e os pormenores do procedimento, para que se dê transparência aos atos tanto de empresários quando da administração pública.
Ninguém sabe, ninguém viu
Sobre a denúncia, a 1ª Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Público e da Moralidade Administrativa do MP informa que não tem conhecimento. A promotoria ressalta que acompanha o processo, e inclusive realizou nesta semana reunião com a superintendente e técnicos da Semob para tratar sobre a licitação.
Por sua vez, o Tribunal de Contas dos Municípios informa que ‘não há protocolo de denúncia registrado sobre o referido assunto. A comissão técnica de servidores do Tribunal designada para analisar a concorrência pública do transporte em Belém segue acompanhando o processo licitatório, com análises de editais e documentos, incluindo aqueles publicados pelo Executivo no sistema’, diz a nota.
“Na análise documental, foram constatadas impropriedades no processo licitatório que originaram notificação à Semob, em dezembro de 2022, com comunicação ao MP. No final de janeiro passado, a Secretaria respondeu ao TCM, que analisa os documentos enviados”.