Por Olavo Dutra | Colaboradores
‘Departamento de sonhos’ do PT dobra expediente, dá canelada nos incautos e chega às raias do absurdo – ou ao estágio extremo do surrealismo fantástico – de tentar guindar o senador da República ameaçado de perder o mandato à condição de sucessor do governador.
O surrealismo foi um movimento artístico e literário de origem francesa, desencadeado no início do Século XX. Como expressão do engenho humano, o surrealismo apresentava algumas características fundamentais: defendia a expressão livre do pensamento; valorizava a importância do inconsciente para impulsionar a criatividade; dava vazão a uma realidade paralela à realidade imposta pela sociedade, a que chamavam de “realidade absoluta”; e autorizava o uso de elementos irreais, ou seja, formas que se baseavam na pura fantasia, no sonho e nas diversas dimensões do imaginário.
Nessa escola de expressão artística prevalecia a valorização da loucura, do sonho e da fantasia.
Passadas as eleições e as tensões da acomodação dos diferentes setores que garantiram a vitória eleitoral expressiva de Helder Barbalho, o ambiente conjuntural local instaurou o clima para aquilo que podemos chamar de ‘surrealismo político’, que se expressa no mais puro descontrole da razão por parte de setores da política, como aqueles que querem antecipar a disputa de 2026, e que se agrava entre os petistas abrigados sob as asas ou sob a árvore frondosa do governador.
Parte desse surto fantasioso – digamos – deu vazão, dia desses, a uma ideia que parece ter saído dos pincéis de Salvador Dali: Beto da Fetagri Faro, o senador eleito a fórceps pela família Barbalho – diante de quase 2 milhões de votos nulos e brancos – e cujo mandato corre iminente risco de ser cassado, seria o nome a ser apresentado pelo “Rei do Norte” nas eleições de 2026, para sua sucessão.
Sem vulto e sem peso
Segundo os porta-vozes dessa tese irreverente, Helder não contaria “com um vulto de peso e voto entre os aliados para substituí-lo no governo” e por isso tenderia a apoiar o “capo” petista. A ‘tese’ vai adiante, com exercício de futurologia: “O PT vai crescer muito no governo Lula, lançando candidatos da nova geração, a maioria deles aliada de Beto. O último dos moicanos, Airton Faleiro, deixará sua vaga na Câmara para o jovem estadual Dirceu Ten Caten e Bordalo, deputado estadual, deverá ir para o TCM”, profetiza.
‘Napoleão Vermelho’
Mais adiante, exalta os feitos do “Napoleão vermelho” e decreta a aposentadoria dos adversários internos do ex-presidente da Fetagri: “Paulo Rocha e Zé Geraldo terão cargos importantes no atual governo e depois deverão pendurar as chuteiras. Beto, por sua vez, elegeu a esposa à Câmara Federal, conseguiu a secretaria da Alepa para seu protegido, o estreante deputado Elias Santiago, e tem capilaridade para açambarcar o quadro jovem petista”. E ilustra, como nos panfletos: “Beto transita no meio do MDB com generosidade e desenvoltura”.
A leitura apressada desse arrazoado surrealista poderia indicar ao leitor desavisado que quem ganhou a eleição no Pará com 70% dos votos, elegeu a maior bancada federal e estadual da história e nomeou um ministro em uma das pastas mais importantes do governo Lula não foi o MDB, mas sim o PT, que por isso poderia dar as cartas na sucessão.
Segundo Dali, o Salvador
Se no mundo das artes e da literatura o surrealismo tem um legado respeitável, o mesmo não se dá no mundo da política, onde há pouco espaço para um “Sonho Causado pelo Voo de uma Abelha ao Redor de uma Romã um Segundo Antes de Acordar”, título de uma icônica obra de Dali.
Quadrilátero mágico
Na política, a pragmática em geral esmaga o sonho e não permite a nenhuma “abelha” se aproximar de uma “romã” plantada com tanto cuidado quanto aquela que emergirá da semeadura que Helder Barbalho está fazendo para sua sucessão. O que objetiva o governador não é eleger “um aliado” em 2026, mas manter a posse do poder com a família, seja diretamente, ou sob a proteção confiável de Hana Ghassan, ou mesmo de Chicão Melo. Esse é o quadrilátero mágico de onde Helder Barbalho fará surgir um nome para a própria sucessão, garantindo com isso que o revezamento se dê com o máximo de previsibilidade possível.
Depois de tudo o que fez, entregar o poder ao PT, um partido eivado de frações antagônicas, seria colocar toda essa semeadura em risco. Pode-se cunhar qualquer epíteto a Helder Barbalho, menos o da desinteligência. Se for verdade que nenhum movimento levou o sonho e a imaginação tão a sério quanto o surrealismo, também é verdade que o PT do Pará não se leva totalmente a sério e ainda não acordou do torpor das eleições de 2022.
Beto da Fetagri Faro “não transita em meio ao MDB”, como se diz, mas é, ele próprio, um cavalo de Tróia do governador no seio de um partido que outrora foi de combate e oposição ao barbalhismo e hoje se submete a todo tipo de humilhação pública em nome de manter as benesses do poder. Não há altivez alguma nisso. Nem durante o governo Ana Julia, petista de origem, o PT foi tão governista quanto agora. Supor que sua subserviência o colocará numa posição de mando, ao ponto de tomar da família Barbalho o governo do Estado tão arduamente conquistado, só pode nascer de uma imaginação fértil. A posição do PT, e por outra via também do Psol, é de mera moldura da pintura emedebista no Pará, sem nenhuma autonomia, protagonismo ou independência.
A fala situacionista da “líder da oposição” na Assembleia Legislativa, deputada Livia Duarte, do Psol, ironizada por muitos dos seus pares, mostra que não existe oposição de esquerda ao governo Helder. Aliás, não existe oposição, até prova em contrário.
Realidade absoluta
Quem assistiu ao filme “A origem” (2010), conheceu um ladrão especializado em invadir o subconsciente das pessoas e, dentro de seus sonhos, roubar suas ideias, informações e até mesmo implantar memórias que não existiam. O filme é um exemplo de obra surrealista que via nos sonhos uma porta para uma realidade alternativa. O PT barbalhista, conduzido por Beto da Fetagri Faro, segue dormindo e sonhando. Helder Barbalho e Jader Filho, não. Transitam na realidade absoluta.