Onipresente em eleições desde que surgiu na vida pública, o prefeito Edmilson Rodrigues se enroscou na teia armada pelo governador Helder Barbalho e pelos deputados Beto Faro e Cássio Andrade e tem futuro incerto. Fotos: Divulgação.

As eleições de 2020 em Belém produziram, de um lado, surpresas, e de outro, déjà vu. A surpresa teve tríplice manifestação.

Por Olavo Dutra

Há uma noção corrente na política que atribui um poder invencível à máquina pública, o que a tornaria capaz de realizar o impossível. Ou melhor, de tornar possível o improvável. No entanto, em 2020, nas eleições da capital, os dois candidatos ancorados na máquina pública  fracassaram rotundamente – o deputado federal José Priante, anunciado como predileto do governador, e Thiago Araújo, deputado estadual conduzido à disputa pelo reeleito Zenaldo Coutinho.

Não que tenha faltado esforço, mas o desempenho de ambos não resultou em votos. E numa eleição, é apenas disso que se trata. Além dessas surpresas demarcadoras de uma eleição disruptiva – a máquina pública fracassa em seu intento mágico -, a emergência do Delegado Eguchi, um zero à esquerda – esquerda aqui no sentido aritmético, por óbvio – completou a tríplice cilada que o eleitor pretendia impor ao status quo político naquele pleito.

Em 2020, as táticas de antes não funcionam como antes – e aqui emerge o já visto. Déjà vu é um galicismo que descreve a reação psicológica que transmite a ideia de que já se esteve naquele lugar, com aquela pessoa ou naquela circunstância. O termo é uma expressão da língua francesa que significa, justamente, “já visto”. O esperado, visto e revisto ad nauseam era o eterno candidato vermelho, tornado lilás por um lance de marketing, Edmilson Rodrigues.

Altos e baixos, cópias e apelos

O ex-prefeito e ex-deputado é uma onipresença nas eleições paraenses desde que emergiu no cenário político, nos anos 1980, ainda como sindicalista. A tática de estar em todos os pleitos o tornou conhecido e a vitória disruptiva em 1996 o elevou ao patamar majoritário, desde então como promessa. Após dois mandatos com altos e baixos e um apelo populista gerado especialmente pela prática do orçamento participativo – copiado da gestão petista de Olívio Dutra, em Porto Alegre – Edmilson saiu da PMB em 2005 chamuscado por um fraco segundo mandato.

Desde ali, fez várias tentativas de voltar à PMB. Em muitas delas esteve melhor do que em 2020, mas tendia a perder no segundo turno graças a uma rejeição crônica, na casa do 1/3 do eleitorado, que o acompanha a cada eleição como uma nuvem negra. A cada disputa, conforme a eleição corria, a rejeição pesava e Edmilson, no comando de um partido que não é vocacionado para a política – rejeita alianças públicas embora cultive conchavos privados, como faz e fez com Helder Barbalho – perdia por falta de margem para alargar seus votos cativos.

A hora e a vez da “mão amiga”

Em 2020, Edmilson entrou enorme na disputa, exibindo robustos 43% de intenção de votos, graças, como a coluna lembrou em artigo anterior, à mão amiga de Helder, que abateu a pré-candidatura de Ursula Vidal, a novidade que poderia escalar o sentimento disruptivo que há tempos não anima o corpo cansado do caudilho psolista, e abandonou a esquerda, habitada no topo por caudilhos como Edmilson Rodrigues, no Psol, e Beto (da Fetagri) Faro, no PT.

Ao fim do primeiro turno, o favorito em 2020 desidratara, perdendo quase 10% em uma campanha onde, por acordo ou imperícia, ninguém o atacou, mas mesmo assim patinou em ideias cansadas e em uma imagem midiática marcada pela mesmice. Dos 43% com que entrou no jogo, Edmilson arrebatou 34,22% dos votos válidos, um total de 248.751 votos, enquanto Delegado Eguchi recebeu 23,06%, o equivalente a 167.599 votos.

Veio um segundo turno dramático, onde Edmilson derrotou Delegado Eguchi, do Patriota, com exíguos 51,76% dos votos válidos. Foi por pouco, mas não foi de graça. A vitória apertada, apoiada em esforço logístico e operacional de Helder Barbalho e dependendo da nomenklatura da velha política, deu origem a uma espécie de Benjamin Button encruado. Para quem não lembra, na fábula cinematográfica, Button é um homem que nasce idoso e vai ficando jovem. O governo “das novas ideias” nasceu velho, mas não perece rejuvenescer.

O grupo que não se encontrou

Desde sua origem, denotou o peso do tempo. Composto por quadros que nas administrações passadas do ainda petista Edmilson ocupavam posições secundárias, o grupo ainda não se encontrou. Passado tanto tempo, encontra dificuldade em se conectar com a realidade, essa sim, completamente nova. Aqui, Button encruou.

Edmilson fez uma campanha claudicante, que se arrastava no tempo, enquanto perdia substância e votos, como um lutador que é ferido no primeiro round e sangra até o final. Mas teve, sim, um voto de esperança. No entanto, o eleitor que acreditou e votou nas “novas ideias” prometidas na campanha de rádio e tevê ainda espera por elas. Os que votaram em Edmilson apenas por não desejarem que um total desconhecido, alinhado com o presidente do País vencesse, já perceberam que Edmilson anda em círculos e não sabe para onde vai.

A afasia política da administração de Belém se apresenta não apenas na ausência total de políticas estruturantes ou que semeie alguma esperança na mudança, mas na falta absoluta de zeladoria, a mais básica das ações de um alcaide. As praças estão tomadas pelo mato e pelo desmazelo. Ruas esburacadas. Lixo amontoado a céu aberto. O Vero-o-Peso, maior cartão postal da cidade, espera em vão por um projeto de reabilitação. As ações culturais, tão alentadas por Edmilson em seu próprio mandato como prefeito, saíram da esfera de seu gabinete e, deixadas a cargo da Fumbel sumiram do mapa de uma cidade que preza e cultiva uma cultura vicejante.

Direção própria, visão distinta

O clima interno no Psol é sempre quente. E nisso os partidos de esquerda, notadamente o Psol, se diferenciam muito dos demais arranjos partidários. Ali convivem, como em um condomínio, uma dúzia de agrupamentos que se organizam como tendências; na verdade, embriões partidários, com direções próprias, visões de mundo distintas e que divergem umas das outras por tudo ou quase nada. Agora mesmo, muitas delas reuniram para tentar barrar a formação federativa do Psol com a Rede Sustentabilidade, de Randolfe Rodrigues e Marina Silva. Perderam, e a federação foi aprovada, já que a direção majoritária – formada pelos agrupamentos de Edmilson, Boulos e da deputada Vivi – entende que ela é necessária para superar a cláusula de barreira.

E o ano 2022 bate à porta

Alguns analistas dizem que o clima interno permanentemente conflagrado impede Edmilson de governar. Para outros, as concessões feitas aos aliados o tornaram refém de Helder Barbalho, Beto (da Fetagri) Faro e Cassio Andrade, embotando sua capacidade de parir ao menos uma ideia nova que o faça sair da marcha lenta que assumiu. Mas a verdade é que Edmilson ainda teria que melhorar muito para fazer um governo ruim. O rumor das ruas diz que quem governa a cidade é o governador. Edmilson encolheu. E só fica menor. Dia após dia. O ano de 2024 nunca esteve tão perto – e tão longe para a sonhada reeleição.