Devaneios administrativos ao longo dos anos, com um prefeito desfazendo os feitos do outro, o Centro Comercial e Histórico de Belém acabou entrando em um caminho aparentemente sem volta. Superlotado pelo comércio informal, o espaço é de todos, menos da cidade, que perde seu patrimônio e sua história a olhos vistos/Fotos: Divulgação-Sérgio Chêne.
 

Por Sérgio Chêne | Especial

Na última reportagem da Série O Centro Comercial de Belém tem jeito? o repórter Sérgio Chêne ouve especialistas da área econômica e do patrimônio público e todos são unânimes: sem intervenção decisiva e forte do Poder Público não há futuro digno para uma cidade de mais de 400 anos que vê sua história cruelmente extinta

Indicadores do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2022 apontam que o Pará atingiu a maior taxa de trabalho informal do Brasil, com 60,5% relativos ao segundo trimestre. “O que se traduz é que a cada dez trabalhadores, seis eram informais. A taxa para o Brasil ficou em 39,4%”, comentou  a coordenadora da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) do IBGE, no Pará, Ângela Gemaque (foto)

Quem conseguiu andar pelas ruas do Centro Comercial no último mês do ano constatou a realidade apresentada pelo IBGE. Lá, centenas de trabalhadores informais acabaram servindo de “termômetro” da informalidade. Diante da necessidade de fazer a economia girar, surge o dilema de conciliar a atividade econômica com a preservação do patrimônio histórico.

 Para o economista e professor Clóvis Vargas (foto), do Programa Forma Pará, da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Educação Superior, Profissional e Tecnológica (Sectet), a resposta à questão de garantir a ordem pública e a sobrevivência de trabalhadores está na concordância institucional. “A problemática desta questão é a falta de um planejamento territorial por parte do poder público para equacionar ou até mesmo encontrar um ponto de equilíbrio entre a sobrevivência das pessoas e a ordem pública”, defende o economista.

A gerente de loja Lena Martins acredita em um local adequado para reunir os trabalhadores do comércio informal. “Acredito que a solução para a mobilidade no Centro Comercial se daria por um local de reinauguração voltado para concentrar os camelôs, destacando um ambiente limpo e receptivo. Assim estariam concentrados todos em um só espaço que traga valorização dos trabalhadores e um ambiente seguro.”, salienta a gerente do estabelecimento localizado à rua João Alfredo.

Prédio da Alfândega

Em uma das matérias da série sobre o Centro Comercial a coluna  abordou a Espaço Palmeira como alternativa para desafogar e possibilitar melhor organização do comércio informal, tema em que o Sindicato dos Trabalhadores do Comércio Lojista de Belém vai além, como um vislumbre de solução.

“Temos espaços alternativos para abrigar comerciantes que estão nas ruas. A área da Alfândega seria uma opção, ou ainda o espaço localizado na confluência da travessa Aristides Lobo com a avenida Presidente Vargas”, aposta o presidente da entidade, Jesus Santana (foto). “Não tem um plano piloto para solucionar a questão; precisamos fazer uma audiência pública e chamar todos os envolvidos e apresentar soluções”.

A prática do faz e desfaz

Atuando há mais de 30 anos como camelô às proximidades da igreja das Mercês, Ângelo das Graças tem conhecimento de causa. Ângelo revela que muitas ações foram desenvolvidas pelo poder público, mas ao mesmo tempo desfeitas pelo próprio poder público diante das mudanças de gestões advindas desde Coutinho Jorge, seguido por Carlos Xerfan, Augusto Rezende, Hélio Gueiros, Edmilson Rodrigues, Duciomar e Zenaldo Coutinho.

 “Zero esperança”, diz o trabalhador em relação à possibilidade de mudar a realidade do comércio informal. Das muitas histórias e relatos, lembra os arranjos feitos pelos administradores da capital. Sempre, segundo ele, houve tentativas de solucionar o problema do inchaço nas ruas.

“Tinha um decreto assinado pelo prefeito Coutinho Jorge que fazia que tivéssemos liberdade para permanecer na praça. E o Hélio Gueiros quando assumiu – foi momento em que as pessoas invadiram novamente o Centro Comercial – indenizou essas pessoas e colocou de volta para a avenida Portugal”, recorda. Quando a primeira administração de Edmilson Rodrigues foi eleita, segundo o comerciante, os ambulantes que ficavam na avenida Portugal voltaram para a João Alfredo, e nesse movimento entraram outros ambulantes. 

Bondinho que não partiu

 “O Edmilson Rodrigues fez uma proposta no segundo mandato de colocar o bonde para funcionar e criou uns espaços para abrigar os ambulantes que ficavam na João Alfredo e Santo Antônio, sendo que esses espaços não foram concluídos”, garante Ângelo. Sem a conclusão, o bonde não saiu e os ambulantes retornaram à via pública. O “Shopping do Real” foi outro projeto de empreendimento público popular de Dudu (Duciomar Costa), mas acabou embargado. “De ano que passa, de ano que entra, a coisa só faz aumentar devido ao problema social do País; muita gente perdeu o emprego”.

Patrimônio é bem de todos

“Sempre refletimos que a valorização do Centro Histórico e de todas as edificações que dele fazem parte é de suma importância para que se mantenha viva a memória cultural da nossa cidade”, afirma a professora e coordenadora do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade da Amazônia, Ana Isabel Santos. Segundo ela, o patrimônio é o bem que carrega uma história e toda a identidade de um povo. “Acredito que o caminho principal seja a compreensão desse valor”. 

“Apreciar, admirar e compreender a relação do centro histórico com as nossas raízes, isso tudo dentro de um conceito de valorização, é o primeiro passo para toda e qualquer iniciativa”, destaca a coordenadora.

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