A polêmica Secretaria de Igualdade Racial e de Direitos Humanos ainda nem foi criada – a proposta se encontra na Assembleia Legislativa -, mas já tem secretário, Jarbas Vasconcelos, e adjunto, João Cláudio Arroyo, aliás, dois adjuntos – o terceiro nome, segundo nota de jornal, é o da professora Edilza Fontes, em que pese o desconforto da informação/Fotos: Divulgação.

De como certos arranjos políticos podem acomodar aliados ao passo em que contrariam a até a lei da física, embora se encaixem satisfatoriamente nas ciências naturais; ou, o dia em que uma nota supostamente plantada em um grande jornal prenuncia guerra por território sequer conquistado, muito menos reconhecido; enfim, nada é racional na política…

Por OIavo Dutra

No Século XVIII, os europeus chegaram ao continente australiano e ficaram surpresos com um mamífero com bico de pato que botava ovos: o ornitorrinco. Claro que canguru e os seus parentes, o coala e o wallabee, marsupiais de grande tamanho que não eram parecidos com qualquer espécie conhecida até então chamaram atenção dos exploradores. Mas a criatura mais surpreendente estava lá, o ornitorrinco, descrito então como um estranho animal “cujo bico de pato está enxertado na cabeça de um quadrúpede”.

Desde então, quando vemos algo que parece com muita coisa, mas não parece com nada que atende aos nossos parâmetros conhecidos dizemos “isso parece um ornitorrinco”. E temos um no Pará: a ainda não criada Secretaria de Igualdade Racial e Direitos Humanos, cuja formulação dormita há três meses nos corredores e gavetas da Assembleia Legislativa, parece ser o ‘ornitorrinco tupiniquim’ da hora.

Casa pequena, coração…

O esforço do governador Helder Barbalho para agasalhar na mesma ilha de estranhezas secretários de competência reconhecida pelos resultados da primeira gestão com ex-parlamentares derrotados, arrependidos ou aposentados, mas donos de currais eleitorais importantes, ou que representam setores econômicos que não devem ser desprezados, conduziu a um exagerado fracionamento de secretarias obedecendo, ao que parece, de um lado, a um critério meramente algébrico – dividir para aumentar a capacidade de acoplamento de mais demandantes -, e de outro, a uma necessidade talvez vantajosa de espelhar sua estrutura na do governo federal que o acolhe.

Ao segundo critério obedece à decisão de criar a Secretaria dos Povos Originários e entregá-la uma indígena. Ao primeiro critério debita-se a ‘Operação Tabajara’ de montar uma Secretaria de Igualdade Racial e Direitos Humanos sem ouvir as entidades constituídas, os quilombolas, as comunidades LGBTQI, ou mesmo as comissões dos direitos humanos da Assembleia Legislativa e da OAB.

É lenha na fogueira

A escolha de Jarbas Vasconcelos para titular, de pronto, joga gasolina no fogo, porque encontraria resistência na OAB, tanto na Comissão de Diretos Humanos, quanto na de Prerrogativas. A ausência da sociedade civil em um arranjo que lida com um público mobilizado e lideranças politizadas pode deixar a nova secretaria vulnerável diante do contingente avantajado de demandas reprimidas que os movimentos sociais acumulam nessa pauta.

Miudezas em geral

Os tempos mudam, mas, como se sabe, o ornitorrinco não – continua a ser um dos animais mais estranhos do planeta. Sua descoberta revolucionou as ciências naturais e demonstrou que, por vezes, as grandes surpresas também podem vir em pacotes pequenos – como pequenas notinhas de jornais, por exemplo. E duas dessas notinhas, publicadas na coluna Repórter 70, de “O Liberal”, no último dia 17, surpreenderam o meio político mais pelo ineditismo e estranheza do fato em si do que pelo possível embaraço aos personagens.

Dois em um

A primeira notinha, plantada no canto superior direito da coluna, sob o título ‘Secretaria-Adjuntos’,dizia: “Por indicação do próprio governador Helder Barbalho, a professora Edilza Fontes será secretária-adjunta de Jarbas Vasconcelos na recém-criada Secretaria de Igualdade Racial e Direitos Humanos. A pasta terá dois adjuntos”. É o ornitorrinco falado!

Uma secretaria sem orçamento definido, com uma agenda extensa e um público diverso e mobilizado, mas com dois adjuntos equivale, por assim dizer, a uma Dilma com dois Michel Temer em sua cola.

A segunda nota, estabelecendo por decorrência física uma hierarquia esdrúxula onde deveria haver uma suposta paridade, de título “Cadeira”, rezava: “A outra cadeira será ocupada por João Claudio Arroyo, que ocupou a diretoria da Escola de Administração Penitenciária quando Jarbas foi titular da pasta”.

Especialidade da casa

De pronto, quem é do ramo sabe que nenhum jornalista redigiria uma nota – ao menos tentaria evitar – em que o mesmo verbo, nesse caso “ocupar”, toparia com ele mesmo em um único período, ou seja, entre um ponto em seguida e um ponto final. Todas as pistas indicam, portanto, que a nota não foi obra de um profissional, embora tenha sido publicada por um dos mais importantes jornais do Pará. Quem a escreveu usou de prestígio próprio ou emprestado para impor tal redação a um diário que se quer respeitável.

Identificação de origem

Outro sinal de amadorismo, dessa vez político, praticamente anuncia a assinatura da plantação das notas: o texto diz que a nomeação da “primeira adjunta”, digamos assim, teria se dado “por indicação do próprio governador Helder Barbalho”. Ora, mas quem teria sido o secretário ou adjunto nomeado contra a indicação do próprio governador, ou mesmo sem ela? Certamente nenhum. Todos os nomeados o são, por força de lei e imposição política, “por indicação do próprio governador”.

Para observadores da cena, resta a quase certeza de que a professora Edilza Pontes conseguiu, ao plantar a nota e ser a primeira a difundi-la, não apenas constranger o adjunto de fato, João Cláudio Arroyo, fundador do Banco do Povo de Belém na primeira gestão de Edmilson e ex-chefe de gabinete da então governadora Ana Julia Carepa, mas, sobretudo, conseguiu jogar sombras e dúvidas sobre o real papel de Jarbas Vasconcelos na futura pasta.

Guerra anunciada

Como se sabe, Jarbas Vasconcelos se desincompatibilizou da poderosa Seap para ser candidato a uma vaga na Assembleia Legislativa com a promessa de que seria uma das prioridades do MDB. Derrotado, acordou em uma minúscula pretensa secretaria, que sequer foi criada oficialmente, mas que já tem, publicamente, uma guerra aberta pelo lugar de adjunto, ou seja, pelo segundo posto de mando na secretaria – quando ela for criada. Não é racional. Seria como guerrear por um país antes que ele sequer seja reconhecido pelos demais.

Bem ao estilo, aliás

A personagem central desse conflito é Edilza Fontes, ex-petista, que assumiu interinamente a Secretaria de Ciência e Tecnologia, cujo titular, Carlos Maneschy, se desincompatibilizou para disputar o pleito de 2022. Ao chegar ao órgão, Fontes demitiu os principais assessores do ex-secretário, sob alegação de que havia recebido “carta branca” do governador do Estado, o que gerou uma crise entre ela e Maneschy que se arrasta até os dias de hoje.

Dentro da Secretaria, conta-se que o dia em que Edilza Fontes recebeu a confirmação de que não seria mais a titular da ciência e tecnologia teria tido uma pesadíssima discussão com o chefe da Casa Civil, o pacato Luiziel Guedes, que só conseguia dizer “Calma, querida, calma”, enquanto os corredores tremiam diante da indignação insurgente da professora.

Memória da pele

Talvez a crise atual de Edilza Fontes, que se expressa nas mal traçadas linhas da nota de “O Liberal” e no destempero diante de chefe da Casa Civil tenha origem em sua memória, mais precisamente da leitura do Diário Oficial do Estado de 4 de agosto de 2009, que trouxe 69 decretos de exoneração assinados pela então governadora Ana Júlia Carepa.

Naquele ato, nada menos de 24 exonerados integravam a antiga equipe do Planejamento Territorial Participativo, sob a coordenação da professora e amiga pessoal da governadora, Edilza Fontes, também ela afastada do cargo de diretora-geral da Escola de Governo naquele momento.

A memória da dor voltou em meio a uma dança das cadeiras que ninguém sabe como irá parar em meio a tantos ovos de ornitorrinco espalhados pelo caminho.