O lixo que alimenta urubus – como na Feira do Cordeiro de Farias -, ratos e pombos, assusta moradores e turistas e adoece pessoas só não acomete quem seria responsável pela solução desse problema, o prefeito da cidade, preocupado com o conflito do Oriente Médio entre árabes e judeus/Fotos: Divulgação-Redes Sociais.

Por Olavo Dutra | Colaboradores

A estrutura de coleta de resíduos na capital paraense, que se prepara para receber a COP 30, em 2025, é lixo ambulante e a precariedade dos equipamentos há muito ultrapassou o prazo de validade, com destaque para uma ferramenta medieval.

O vídeo em que uma turista se assusta com a quantidade de urubus nas imediações do Ver-o-Peso provocou reações extremadas de paraenses nas redes sociais: de um lado, pessoas justificando a existência e proliferação das aves de rapina como parte da fauna natural do entorno e do contexto; de outro, reações indignadas com a sujeira, que agride os cidadãos de Belém não apenas nos pontos turísticos, como o frequentado por visitantes eventuais.

A turista não sabe, mas imagens semelhantes postadas nas redes sociais concorrem em número, gênero e grau com a sujeira de um extremo a outro de Belém, do Conjunto Cordeiro de Farias à região da Estrada Nova – e além.

A indignação com a sujeira que alimenta urubus, ratos e pombos e adoece pessoas só não acomete quem seria responsável pela solução desse problema, o prefeito da cidade, preocupado com o conflito do Oriente Médio entre árabes e judeus.

Aliás, se olhasse para a experiência dos recicladores de plástico da Faixa de Gaza, na fronteira entre Egito e Israel, Edmilson Rodrigues poderia tirar dali mais do que uma fala sem nexo, como a que fez recentemente, e encontrar um exemplo de como evitar o colapso econômico, humanitário e ambiental, gerando uma nova cultura e economia em torno da reciclagem.

Hamas faz bem melhor

Mesmo impopular, o governo do Hamas estimula a coleta, a limpeza, a triagem e o reaproveitamento do plástico, criando oportunidades de negócios e garantindo sobrevivência em Gaza, pequeno enclave costeiro que é um dos lugares mais densamente povoado do mundo, e isolado por um bloqueio econômico prolongado.

Longe da Palestina – diz que ‘cidade irmã’, segundo o alcaide -, Belém do Pará vive uma conjuntura inversa, em paz com o governo do Estado e com o governo federal, vendo as portas se abrirem para o mais absoluto nada administrativo resultante da gestão de um partido que não é vocacionado para exercer o poder, mas para se contrapor a ele.

Sem solução aparente

O Psol no poder vive uma contradição permanente entre o discurso que embalou seu crescimento de oposição “a tudo o que está aí” e a adesão subalterna ao governo de Helder Barbalho, o dono do pedaço. Essa contradição leva a um discurso torto, em que muitas vezes o povo é apontado como culpado por aquilo que eles não conseguem resolver. O lixo é um deles. A recorrente acusação, feita por parte de gestores do saneamento da cidade, de que a culpa pela sujeira é da própria população e da falta de “educação ambiental” não apenas soam como desídia, mas demonstram que o futuro não trará solução porque quando o poder público se ausenta, o vazio produz o caos. E é no topo do caos das montanhas de lixo que Belém vive.

Onde o caos prevalece 

Quem vive nos distritos de Mosqueiro, Icoaraci e Outeiro padece mais ainda, por conta da desestruturação das agências distritais. No passado, essas unidades administrativas contavam com patrulhas mecanizadas, caminhões e servidores, públicos ou terceirizados, que davam suporte suplementar àquelas áreas, onde o acesso é mais demorado.

Os três distritos têm áreas de proteção ambiental violadas permanentemente pelo descarte irregular de lixo, que se soma ao descaso com as vias públicas e o tratamento de esgoto como fatores de degradação ambiental e risco social continuados.

Negócio bilionário

A capital paraense produz cerca de mil toneladas de resíduos por dia e tem pelo menos 100 pontos críticos de descarte ilegal. Se o cidadão sai às ruas de Belém, seu encontro com o lixo – e com os buracos – é garantido. Embora o custo da coleta de lixo na cidade seja alto – a tonelada de resíduos sólidos custa R$ 97,75 para os municípios de Belém e Ananindeua -, a ausência de um plano de saneamento estruturado que vá além de tentar recolher a sujeira despejada a céu aberto é evidente.

Atualmente, o custo médio com o serviço de coleta de lixo gira em torno de R$ 10 milhões-mês. A prefeitura prepara uma nova concorrência pública para limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos, com valor global estimado de quase R$ 1 bilhão pelos próximos 30 anos. Muito dinheiro por nada, dado o estado das coisas.

“Fé no que virá”

Belém não apenas segue suja e abandonada. A insistente prática de promover seminários, que o atual prefeito trouxe da academia, resulta em novos diagnósticos de problemas sem solução, porque a solução implica planejamento político e cronograma técnico que o time montado pelo prefeito é incapaz de produzir, jogando toda ‘a fé no que virá’ na capacidade de Helder Barbalho, o improvável padrinho da reeleição de Edmilson, em calar adversários, neutralizar inimigos e entregar obras de consumo imediato que gerem votos no atacado.

O que nem o governador Helder Barbalho consegue fazer é ocultar a precariedade da gestão de Edmilson, que, em um boletim ruim, tem na coleta de lixo sua nota mais baixa.

Ferramenta medieval

A estrutura de coleta de resíduos é, em si, lixo ambulante. A precariedade dos equipamentos usados para recolher resíduos – caminhões, contêineres e EPIs – parece ter completado décadas e ter ultrapassado a tempos seu prazo de validade, com destaque para uma ferramenta medieval: a vassoura de piaçava, ainda em uso em pleno Século XXI, em Belém.

A vassoura como hoje a conhecemos surgiu em 1797, criada por Levi Dickenson, um agricultor de Hadley, em Massachusetts, EUA. A vassoura de piaçava, com hastes coladas a um cabo nasceu em 1810, durante a Revolução industrial, quando foi criada e patenteada a máquina de fazer vassouras, seguindo o mesmo design que segue em uso nas ruas da cidade inteligente, a cidade que sediará a COP 30, em 2025.

Varrer ruas com vassoura, em uma postura inclinada e à mercê dos elementos, pode interferir seriamente na saúde dos trabalhadores. A poeira que esse instrumento levanta, repleta de monóxido de carbono e de micro-organismos patogênicos, adoece e leva à incapacidade respiratória muitos trabalhadores.

Cidades menores do que Belém, como Blumenau, em Santa Catarina, já substituíram totalmente as tradicionais vassouras por aspiradores elétricos, como é feito há tempos nas cidades europeias, que modernizaram o trabalho de limpeza. Com o aspirador, o trajeto feito normalmente com uma vassoura pode ser percorrido quatro vezes mais rápido, com mais segurança para os trabalhadores da limpeza e maior eficiência para o poder público. O custo é ridículo, especialmente considerando um contrato de, no mínimo, R$ 120 milhões por ano.

Que venha a COP 30…

Óbvios e necessários contêineres para lixo nas principais vias de Blumenau ajudam a manter as ruas da cidade limpas e bem cuidadas, evitando que os resíduos se espalhem e caiam na rede de esgoto. Combinado com os outros métodos de separação de resíduos, o sistema de coleta daquela cidade se tornou eficiente e sustentável.

Contudo, na cidade das novas ideias, sede da COP30, a vassoura Levi Dickinson continua reinando.