A questão é: como então evitar a exaustão das reservas de pargo, sobretudo no Pará, tido como a última fronteira da espécie?/Foto: Divulgação.

Por Olavo Dutra e colaboradores

Cerca de 400 embarcações irregulares aproveitaram falhas na legislação para se infiltrar na captura da espécie cristalizando a chamada “indústria dos protocolos”.

“Pargo: nova safra, velhos problemas”. Assim a Consultoria Oceana, convidada pela Secretaria Nacional de Aquicultura e Pesca, do Ministério da Agricultura, para elaborar diagnóstico sobre o nebuloso cenário da pesca do pargo (Lutjanus purpureus) no País define a questão.  No caso do Pará, os holofotes voltam-se para Bragança, nordeste do Estado, que viu na Portaria n⁰ 547, de 17/01/22, um complicador a mais no precário ordenamento da pesca da espécie. A normativa simplesmente prorrogou Autorizações de Pesca para todas as embarcações com o simples requerimento de registro, ou mero pedido de renovação.

Conforme a coluna tem alertado, em Bragança só existe disponibilidade para habilitação de até 150 barcos pargueiros, nem todas oficialmente preenchidas, já que dezenas delas não se adequaram às normas legais. Porém, cerca de 400 embarcações irregulares aproveitaram a brecha para se infiltrar na atividade, graças ao que ficou conhecido como “indústria dos protocolos”.

Exploração pode acabar – No que tange à exploração do pargo, “as falhas nos dados de produção e o não cumprimento das medidas previstas no plano de recuperação da espécie” são flancos abertos que a qualquer momento podem decretar o fechamento da pesca de uma espécie cujas exportações injetam, todo ano, mais de R$ 200 milhões na economia brasileira, informa o relatório.

Movidos a lucro, donos de negócio com o valorizado pargo ignoram até mesmo o fato de os Estados Unidos, principal importador do peixe brasileiro, possuírem programa de combate à importação de peixes oriundos de pesca ilegal, não declarada ou não regulamentada. 

O pargo brasileiro já está no foco desse monitoramento. É tudo uma questão de tempo para acender a luz vermelha, da mesma forma que ocorreu na União Europeia, que fechou suas portas e nunca mais comprou nenhum tipo de pescado de origem duvidosa.

Na contramão da história – O diagnóstico da Oceana também avalia que “o setor produtivo apresenta um modus operandi que não se alinha mais com os rumos que a pesca e o comércio internacional de pescados vêm tomando, cada vez mais transparentes, certificados e rastreáveis”.

 “A grande verdade é que a gestão pesqueira virou caso de Polícia”. Segundo a Consultoria Oceana, “a pouca qualidade dos dados dos mapas de bordo, problemas na coleta desses formulários ou mesmo o desaparecimento dessas informações jamais explicarão as quase 3 mil toneladas não declaradas na safra de 2021”. 

Explique-se: Desde a publicação do novo ordenamento do pargo, em 2018, a Secretaria Nacional de Pesca divulga os dados de produção a partir dos tais mapas, que deveriam registrar rigorosamente os volumes capturados. Em nenhum dos anos a produção declarada sequer se aproximou do volume de pargo oficialmente exportado pelo País. Em 2021, por exemplo, o Painel de Monitoramento da Pesca do Pargo aponta exatas 2.297 toneladas capturadas pelas embarcações licenciadas, enquanto dados do ComexStat atestam que as exportações bateram 5.175 toneladas.

O desafio de preservar – Como então evitar a exaustão das reservas de pargo, sobretudo no Pará, tido como a última fronteira da espécie?

O estudo da Oceana oferece pistas ao defender que a necessidade de que a frota seja urgentemente dimensionada e as embarcações, mesmo ilegais, rigorosamente identificadas e caracterizadas quanto ao seu tamanho, petrecho e padrão de operação.

Como medida preventiva, “a adoção de um teto máximo de produção permitirá entender o tamanho da frota possível e, inclusive, discutir se eventualmente embarcações ilegais podem ser regularizadas” – opina o estudo – já que, “na prática, o impacto sobre os estoques pesqueiros vem do quanto de peixe se captura, e não do número de barcos”.