Por Olavo Dutra e colaboradores
Na política, a fuga da realidade é um caminho sem volta, porque quando você esquece o eleitor, o eleitor retribui esquecendo você.
Fuga dissociativa ou Fuga psicogênica é um transtorno raro em que uma pessoa perde a memória e se desloca grandes distâncias, para locais desconhecidos, ficando confusa quanto à própria identidade. Podem criar outra identidade durante essa confusão. Fatores psicológicos relacionados a conflitos e dilemas de difícil superação, como passar ou presenciar um evento traumático, podem desencadear o problema, que causa perda referência com a realidade, fazendo com que o acometido se esqueça de traços fundamentais de sua vida, principalmente sua identidade. Há muitos casos de Fuga dissociativa relacionados a sequelas do Covid-19.
A Fuga dissociativa poderia migrar dos anais médicos e ser detectada na política? Pelo visto, sim – e Edmilson seria um caso a ser estudado.
Vindo de uma trajetória de esquerda radical – quem não se lembra do dedo do capitão mordido por Edmilson ao tentar invadir o Palácio do Governo ainda na gestão Hélio Gueiros? – e de uma carreira política nutrida na crítica implacável à família Barbalho, Edmilson, hoje exibe os 32 dentes para qualquer Barbalho que aviste se aproximando – e os abraça efusivamente.
Era uma vez no passado
Não era assim no passado recente. Em 16 de dezembro de 2011, em discurso acalorado a favor da sua escudeira Marinor Brito, que havia perdido na Justiça a chance de substituir o senador eleito Jader Barbalho, Edmilson bradou: “A posse no Senado do candidato Jader Barbalho, cuja trajetória é por demais conhecida, será mais uma página lamentável de um sistema político que resiste, com unhas e dentes, a medidas efetivamente moralizadoras”. Para arrematar, o então deputado antiBarbalho afirmou que a derrota judicial de sua partidária havia sido garantida por meios “misteriosos” e lamentou que ainda houvesse “um enorme caminho a percorrer no combate aos interesses escusos que insistem em manter a democracia refém das polpudas – e suspeitas – contas bancárias e dos patrimônios que se formaram fruto de simbiótica e espúria relação entre o público e o privado”.
Ele disse isso?
Quem falou isso? Edmilson? Qual Edmilson? Não existe paralelo entre esse discurso e a pessoa que o proferiu e o atual prefeito de Belém, que se arreganha diante da generosidade política de seu patrocinador, o governador Helder Barbalho, como se não fosse ele filho e herdeiro político do senador a quem Edmilson caracterizou como “fruto da espúria relação entre o público e o privado”. A fuga psicogênica está para além de configurada e a memória afetada pelos interesses presentes, que incluem a empregabilidade plena da militância de seu partido e a tentativa espúria, essa sim, de pintar Belém e seus equipamentos com as cores de sua campanha.
Vendo o governador ao lado de quem por anos assacou insultos contra sua família obriga este escriba a reconhecer a capacidade de Helder Barbalho de conviver com as diferenças – ao menos as de conveniência – e mesmo com os detratores e traidores. Focado na meta como um estoico, o governador segue fazendo tudo o que for necessário para vencer a reeleição no primeiro turno. E isso inclui dar vazão aos delírios dissociativos do neoaliado lilás e repercuti-los em sua imprensa.
Uma viagem no tempo
Matéria publicada no Dol, um dos veículos de comunicação da família Barbalho, afirma, sem rubor algum, que a meta de fazer de Belém uma cidade “inovadora” está traçada e foi apresentada pela prefeitura da capital no evento que lançou o programa “Belém Inteligente, Metrópole Amazônica da Inovação”, na última sexta-feira 3. Segundo o texto, “mais que equipamentos e componentes tecnológicos inteligentes, o projeto prevê movimentações de inclusão social, participação cidadã, combate às mazelas que afetam a humanidade e a diminuição das desigualdades socioespaciais, como já vem acontecendo na cidade através de outros programas mantidos pela atual gestão municipal”.
Ao ler isso, o leitor desavisado certamente pensará que dormiu na Belém do abandono, das feiras sem higiene, do entulho e do lixo em cada esquina, do esgoto a céu aberto, das praças destruídas, dos alagamentos novos e antigos e, em um passe de mágica, acordou em Amsterdam, Frankfurt, Cidade do Porto, Barcelona ou Toronto, cidades inteligentes com reconhecimento internacional e inovadoras em todos os aspectos da relação do poder público com a cidade e com a sociedade.
O método Edmilson de “inovação” consiste em um ato cênico, marcado pelo que passo a chamar, na ausência de melhor nome, de “governança por eventos” – um palanque, com back-drop colorido e discursos efusivos para a sua claque, que geram aplausos ensaiados, postagens e notícias, inclusive e principalmente nos veículos da família que antes ele demonizava. O problema é que a governança por eventos não muda a cara da cidade nem melhora a vida das pessoas. As curtidas escassas em suas postagens não seriam suficientes sequer para eleger um vereador em Santa Bárbara, quando mais um prefeito em Belém.
This is the end
Politicamente, a governança por eventos é um soluço midiático e, como tal, um intento previamente fracassado. Não há como dar certo. Embora a Fuga dissociativa seja um distúrbio psicológico reversível na maioria dos casos, na política, a fuga da realidade é um caminho sem volta, porque quando você esquece o eleitor, o eleitor retribui esquecendo você.