Em manifestação pública no Colégio de Procuradores do Ministério Público do Pará, o procurador Nelson Medrado considerou, em longo pronunciamento, a necessidade de que o Corregedor-Geral, Manoel Santino Nascimento, ex-secretário de governo na gestão do PSDB, seja afastado das funções na administração superior até o esclarecimento dos fatos. Santino integra a lista de inelegíveis publicada nesta semana pelo Tribunal de Contas da União, que inclui pessoas condenadas por má aplicação de recursos públicos, segundo a Lei da Ficha Limpa.
“Silêncio constrangedor”
“Não estou considerando que o atual corregedor seja pessoa inidônea moralmente e tenha, efetivamente, praticado esses atos que lhe foram imputados e pelos quais foi condenado pelo TCU, mas que ele se afaste das funções na administração superior”, destaca Medrado, considerado 1voz de peso1 na área de improbidade do MP. Segundo ele, “o que se tem até o momento é o incomodo e constrangedor silêncio do MP, que, como diz o ditado popular, ‘deu o calado como resposta’, com a vulneração da atuação dos membros e o descrédito na instituição”.
Cartas na mesa
A manifestação de Nelson Medrado circulou de maneira restrita entre membros do parquet. Embora tenha sido uma manifestação pública, não foi transmitida pelo serviço interno supostamente por “problemas técnicos”. Antes de encerrar seu pronunciamento, o procurador de Justiça foi enfático: “Por isso trago a questão para as ponderações e deliberações pertinentes, antes de prosseguir a uma esfera externa”.
Veja o pronunciamento na íntegra aqui:
Inicialmente, quero reafirmar minha confiança e admiração pela maneira com que a administração superior, à frente o Dr. Cezar (Mattar, Procurador-Geral do Ministério Público), vem conduzindo nossa instituição. A sua postura e a pacificação das relações internas, até então muto fragilizadas, são pontos marcantes da administração.
Contudo, tenho que externar minha preocupação, e o faço por dever de ofício como membro deste Colégio de Procuradores, sobre algumas questões que tenho lido na imprensa e que me têm sido cobradas por alunos, por colegas, por jornalistas e pela população que a mim se dirigem.
Tanto se fala em transparência, mas, por vezes, esquecemos que a principal transparência é a de prestar esclarecimentos à sociedade sobre a nossa atuação, principalmente sobre o cumprimento das normas deontológicas (probidade, desinteresse, decoro) que regulam a atuação dos promotores.
Recentemente foi publicado na imprensa local que o nosso Corregedor-Geral (Manuel Santino, ex-secretário de governo) havia sido condenado pelo TCU por sobrepreço e inexecução, com pagamento, de serviços, quando na chefia de órgão do Executivo estadual, e estaria incurso nas limitações impostas pela Lei da Ficha limpa (Lei Complementar nº 135, de 4 de junho de 2010).
Procurei saber se não se tratava de fake news, tão comuns nos dias de hoje, mas, infelizmente, a notícia é verdadeira: tive acesso ao acórdão da decisão do TCU disponibilizado na internet.
A despeito da patente proatividade impressa aos trabalhos da Corregedoria pelo atual corregedor, o que é bastante louvável, temos que fazer algumas ponderações para o bem da instituição do MPPA.
Desde 2011, as Promotorias de Improbidade buscam efetivar que os condenados pelos Tribunais de Contas à inelegibilidade também sejam impedidos de exercer funções comissionadas ou de confiança nos poderes.
Isso se dá porque quando um Tribunal de Contas aplica a pena da inelegibilidade cumulada com o pagamento de multa, é porque está convencido da ocorrência de improbidade administrativa, pois, em caso contrário (não havendo improbidade) só aplica a penas de multa.
Desde 2011, portanto, quando removido para as Promotorias de Improbidade, sei da existência de recomendações ao governo do Estado, à Assembleia Legislativa, às prefeituras e outros órgãos para que os condenados, nos termos da Lei da Ficha Limpa à inelegibilidade pelos TCs, fossem impedidos de serem nomeados para cargos comissionados ou de confiança.
Recentemente, cerca de dois anos atrás, a PGJ e promotores ligados à área de improbidade voltaram a instar o governo do Estado nesse sentido, inclusive havendo divulgação do fato na imprensa e em nossa página na internet.
O CNMP tem a Resolução nº 177, de 05/07/2017, que proíbe a designação para função de confiança ou a nomeação para cargo em comissão no quadro dos serviços auxiliares do Ministério Público de pessoa que tenha praticado atos tipificados como causa de inelegibilidade prevista na legislação eleitoral.
Inclusive, no voto do Relator dessa Resolução, consta que a proibição disciplinada na proposição teria incidência genérica, fazendo abarcar indistintamente membros e servidores do Ministério Público que viessem a ser nomeados para ocupar cargos em comissão ou função de confiança.
Além de tudo isso, os Promotores de Justiça, reiteradamente, têm cobrado os municípios e o próprio governo do Estado nesse sentido, como se vê pelas frequentes condenações de Tribunais de Contas que aportam no MPPA para as providências legais, e os promotores têm atuado nesse sentido, tanto que tenho recebido processos como conselheiro suplente apreciando esse aspecto da atuação dos promotores, posto que inadmissível que uma pessoa condenada à inelegibilidade seja nomeada para cargo de secretário municipal ou outro cargo de confiança por ter apoiado o prefeito nas eleições.
Temos, reiteradamente, expedido Recomendações e Termos de Ajustamento de Conduta com gestores públicos das esferas municipais, estaduais, no afã de aplicar a Lei da Ficha Limpa para convencionar que os editais de concurso público (inclusive os PSS) admitam esse critério para nomeação de cargos públicos, ou mesmo ajustando como critério de nomeação aos cargos comissionados a condição de não estar o candidato incurso na Lei da Ficha Limpa.
Em que pese o profícuo trabalho desenvolvido pela Corregedoria, repito, temos que a manutenção do procurador Manoel Santino à frente da Corregedoria vulnera as decisões do órgão correcional (e eu ouvi de promotores que irão alegar esse fato se acionados pelo atual corregedor) e a posição do Ministério Público do Estado do Pará no combate à improbidade, pois, como o promotor irá cobrar determinadas consequências dos gestores dos órgãos públicos e servidores incursos na Lei da Ficha Limpa se o próprio Ministério Público mantém pessoa condenada na Lei da Ficha Limpa em quadro da administração superior.
Podemos, inclusive, responder à ação popular.
A Lei da Ficha Limpa nasceu de uma iniciativa popular e é considerada uma das mais importantes conquistas da democracia no País, tornando inelegíveis aqueles condenados por órgãos colegiados, tudo em observância ao princípio constitucional da preservação da moralidade administrativa. E com base nesse princípio temos a lei, as resoluções, inclusive do CNJ, todo um arcabouço legal a impedir a nomeação dos atingidos pela Lei da Ficha Limpa.
E a essência da iniciativa popular é que era difícil, aos olhos do cidadão comum, compreender como uma pessoa poderia exercer função de relevância na administração pública tendo uma condenação por órgão colegiado de suas contas.
A Lei da Ficha Limpa não pode ter sua aplicação restrita tão somente para a seara do Direito Eleitoral. Diante de sua conformação constitucional, assim como da existência de um microssistema da moralidade pública e da tutela do patrimônio público, é possível sua incidência como parâmetro de contratação e nomeação de funcionários públicos.
Ora, se o condenado pelas contas irregulares não pode ser eleito para cargo executivo ou legislativo, muito menos poderá exercer cargo na administração superior de qualquer órgão, muito menos no Ministério Público, que é o órgão encarregado da observância dessa vedação.
Com efeito, “O art. 37 da Constituição Federal traz para a Administração Pública a necessidade de observar princípios de conduta que a tornem melhor e cumpridora de sua própria finalidade de bem servir a coletividade, entre eles o da moralidade, impessoalidade e eficiência” – como a vedação ao nepotismo, que deriva diretamente do princípio da impessoalidade e gerou uma súmula vinculante do STF.
Nesse sentido, também o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução nº 156/2012 e proibiu a designação para função de confiança, ou a nomeação para cargo em comissão, de pessoa que tenha praticado atos tipificados como causa de inelegibilidade prevista na legislação eleitoral.
O Poder Executivo Federal, após um longo lapso temporal, editou o Decreto nº 9.727/2019, que dispõe sobre os critérios, o perfil profissional e os procedimentos gerais a serem observados para a ocupação dos cargos em comissão, posteriormente estendido para estabelecer critérios gerais a serem observados para a ocupação de cargos em comissão e funções de confiança na administração pública federal direta, autárquica e fundacional, dentre eles o de: “não enquadramento nas hipóteses de inelegibilidade previstas no inciso I do caput do art. 1º da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990.”
Na história recente e no plano do executivo federal, o STF impediu pessoa de assumir cargo de ministro no governo Dilma. A filha do presidente do PTB, senhor Roberto Jeferson, foi impedida de assumir ministério. Pessoas foram proibidas de assumir cargo no Ministério da Saúde e outros ministérios pela aplicação desse arcabouço protetivo da moralidade e probidade pública. Pessoa designada para superintendente da PF foi impedido de assumir também por causa disso. No legislativo federal, vários não assumiram cargos por conta da Lei da Ficha Limpa.
Em tempos não muito distantes, já ocorreu de serem afastados promotores e procuradores de Justiça que exerciam funções na administração superior. Lembro do caso do Ouvidor Geral e do Procurador Marcus, esse último impedido de assumir a Secretaria do Conselho Superior, tudo em nome da boa produtividade do órgão.
Vejam bem, não estou considerando que o atual corregedor seja pessoa inidônea moralmente e tenha, efetivamente, praticado esses atos que lhe foram imputados e pelos quais foi condenado pelo TCU, mas que ele se afaste das funções na administração superior até esclarecimento desses fatos.
Porque, o que se tem até o momento é o incomodo e constrangedor silêncio do Ministério Público do Estado do Pará, que, como diz o ditado popular,” deu o calado como resposta”, com a vulneração da atuação dos membros e o descrédito na instituição.
Por isso trago a questão para as ponderações e deliberações pertinentes, antes de prosseguir a uma esfera externa.