Por Sérgio Chêne | Olavo Dutra
Possível ‘ação entre amigos’ e apadrinhamento político à custa de dinheiro público sob as barbas da gestão da Secretaria de Saúde de Belém distribuiu bondades com repasse de R$ 1 milhão do Ministério da Saúde.
Denúncia envolvendo a pasta que ultimamente virou alvo das reclamações da população por conta do desatendimento e da falta de insumos nas unidades de saúde e hospitais de pronto-socorro revela o que os servidores chamam de “farra de plantões” ocorrendo no Departamento de Vigilância à Saúde, ligado à Secretaria de Saúde de Belém, e ainda por cima com verba do Ministério da Saúde.
O suposto esquema envolve assessores do ex-diretor da Vigilância Adriano Furtado, que teria deixado o cargo no dia 15 deste mês. A polêmica relacionada ao superfaturamento de plantões e autoritarismo na administração foi prática apontada também na passagem de Cláudio Salgado, substituído por Adriano na Vigilância.
Na gestão de Adriano Furtado, segundo a denúncia, um grupo formado por quatro enfermeiros, três técnicos de enfermagem e um assessor técnico estaria recebendo por ‘extensão de carga horária’ nos plantões e auferindo salários vantajosos. Desse grupo, apenas um membro é concursado. Apadrinhamento e laços de amizade com a chefia do setor seriam o facilitador do arranjo. A própria escolha dos integrantes teria deixado de fora servidores melhor capacitados tecnicamente, conforme a denúncia.
Justificativa ‘furada’
O aumento da carga horária paga aos oito servidores foi justificado pela chefia do Departamento de Vigilância Sanitária com base na necessidade de criação de um grupo técnico, cujos integrantes comporiam a equipe do Centro de Informações Estratégicas de Vigilância em Saúde. Os profissionais teriam a incumbência de trabalhar com os casos da zoonose viral conhecida como ‘Varíola dos macacos’ (monkeypox) que estavam surgindo em Belém.
A justificativa, porém, conflitava com a natureza do Centro de Informações Estratégicas que, pela Portaria MS nº 2.624, de 28 de setembro de 2020, possui fonte própria de custeio utilizada pelas Secretarias de Saúde para garantir a contratação de profissionais e a estrutura física para a execução de ações preventivas.
Descaminhos da verba e
pagamento acima da média
O valor de R$ 1 milhão do Ministério da Saúde foi depositado na conta da Secretaria de Saúde de Belém no final de 2020, mas a forma de utilização da verba federal enveredou por vias suspeitas.
Segundo a denúncia, as benesses pagas ao grupo garantiam salários em torno de R$ 5 mil e até R$ 10 mil, acima da média praticada na Secretaria, o que só seria possível graças ao cumprimento de dez plantões mensais de 12 horas, sendo que a Secretaria limita essa carga a quatro horas. Assim, em dias de plantão, além do expediente normal, o grupo teria que trabalhar 24 horas por dia.
Paulo André Pinheiro, um dos integrantes do grupo, que inclusive não teria formação na área de saúde, garantiu o cargo de assessor de nível superior com salário de R$ 4.453,33 na função de coordenador do Centro de Informações Estratégicas. Sheila Paula da Costa, que, apesar de servidora concursada da Secretaria, foi selecionada para integrar o grupo como apoiadora, é agente de Bem-Estar da Secretaria, coordenadora do Programa de Esquistossomose de Belém e já possui extensão de carga horária de 12 horas. Ou seja, se dedicava em tempo integral à Secretaria, mas estaria em dois lugares ao mesmo tempo.
A culpa é do Cabral?
O pagamento das horas extras em plantões fora do teto e demais regalias teriam sido autorizadas pelo ex-diretor Adriano Furtado, mas, diante do discurso do prefeito Edmilson Rodrigues, do Psol, ao afirmar que a gestão das unidades de saúde está inviabilizada por cortes de verbas federais, os servidores da Secretaria se indignam com o tratamento requintado oferecido ao pequeno grupo.
Negligência e morte
A ausência de rigor técnico na escolha dos profissionais do Centro de Informações Estratégicas também teria provocado supostas negligências em relação a medidas da vigilância sanitária em Belém. Apesar de receber a notificação do Departamento de Vigilância Sanitária da Secretaria de Saúde, o grupo técnico não abriu nenhuma investigação e deixou de atuar antes, durante e depois das ocorrências de incêndios registrados no Lixão do Aurá, em dezembro de 2022, o que provocou problemas de ordem ambiental, de impacto à saúde da população, sobretudo dos moradores de Santana do Aurá, na divisa entre Belém e Ananindeua.
Estado cobra ação
Outra suspeita envolvendo o Centro e a ‘equipe especializada’ veio com a primeira morte, em Belém, pela ‘Varíola dos macacos’. A vítima foi um homem de 26 anos, que deu entrada no PSM Mário Pinotti em 26 de dezembro de 2022, mas faleceu no dia 3 de janeiro deste ano. “Eles não utilizaram o plano de emergência do Ministério da Saúde. Teriam que informar à Secretaria de Saúde do Estado em até 24 horas, mas fizeram apenas no dia da morte”, relata fonte da coluna. Devido a esse ‘lapso’, a Secretaria teria cobrado melhor acompanhamento e investigação mais apurada sobre o caso. “Eles não fizeram o básico: acompanhar o paciente de maneira adequada e usar o medicamento tecovirimat, mas não usaram”, acrescenta.
Palavra da prefeitura
Em nota encaminhada à coluna, a Secretaria de Saúde de Belém informa que “está realizando um levantamento geral e diagnóstico de toda área de Recursos Humanos e da folha de pagamento em curto prazo. Medidas de ajuste e correções serão tomadas do ponto de vista legal, administrativo e de gestão durante os próximos 60 dias. Os fatos relatados na denúncia serão verificados com prioridade e, se cabível, medidas necessárias serão adotadas.
N. R: Em 2021, com o repasse de novos recursos federais, o então diretor Claudio Salgado decidiu descontinuar o projeto de prevenção e a verba retornou ao fundo vinculado ao Ministério da Saúde.