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Drama

"Solidão invisível" afeta milhares de donas de casa silenciosamente

Um sentimento complexo, que não se refere a um isolamento físico, mas emocional e espiritual; “uma falta de si mesma”, explicam os especialistas

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  • Da Redação | Coluna Olavo Dutra
  • 20/10/2025, 17:00
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aria do Socorro Martins, 58, trabalha como diarista há pelo menos 15 anos. Antes disso, sempre desempenhou atividades dentro de casa, mas para a própria família. Passou a atuar em casas alheias depois que o único filho se formou e foi trabalhar em outro Estado. Ficou só com o marido e, mesmo ocupada com as atividades do cotidiano, sentia que algo não estava no lugar certo.

 

A diarista Maria do Socorro se sente só em casa ou onde quer que trabalhe; a solidão afeta as mulheres mesmo durante as atividades do cotidiano/ Fotos: Divulgação.

“Meu marido, montador de móveis, saía para trabalhar e eu ficava ali, olhando para as paredes. Passei tanto tempo fazendo as coisas para os dois (pai e filho) que já não sabia o que era fazer as coisas para mim mesmo. Trabalhar como diarista foi uma orientação de uma psicóloga, com quem conversei por orientação de uma sobrinha”, conta.

Realidade nua e crua

A "solidão invisível" vivida por dona Socorro é a realidade de muitas donas de casa brasileiras. O sentimento é complexo, pois não se refere a um isolamento físico, mas emocional e espiritual. A mulher sente o apagamento da identidade e a falta de reconhecimento pelo trabalho doméstico.

"Uma ausência de ser pela presença constante do outro, que precisa ser sempre cuidado. O outro é prioridade. É uma solidão de si mesma, de uma identidade, de realizações e de escolhas próprias", define a psicóloga Talita Carvalho.

O agravante da diarista Maria do Socorro está na realidade de milhares de mulheres que vivem a mesma situação, no Pará. Natural da zona rural de Viseu, município que faz fronteira com o Maranhão, ela veio para Belém com 22 anos de idade, assim que casou, na busca por uma vida melhor.

Cargas diferentes

As donas de casa são constantemente responsabilizadas pelo bem-estar de crianças, idosos e pessoas com deficiência, assim como pelas tarefas domésticas. Esse serviço, porém, não costuma ser valorizado como trabalho porque não envolve remuneração, afirma Talita.

Essa carga, no entanto, não é a mesma para todas, destaca Helena Hirata, pesquisadora em Sociologia do Trabalho e do Gênero. "Mulheres de alto poder aquisitivo contam com o auxílio de babás, de trabalhadoras domésticas e de instituições de longa permanência para idosos", pontua.

"Quando se trata de uma obrigação, sem outras opções, há maior risco de insatisfação, adoecimento, reclusão e solidão. O Estado e as políticas públicas têm papel fundamental em garantir que essas mulheres possam escolher livremente, com oportunidades reais no mercado de trabalho", atesta.

Culpa e isolamento

Mesmo nos casos em que o trabalho doméstico é uma escolha e há ajuda, é possível que a mulher perceba não estar bem e necessite de acompanhamento para lidar com as questões que a afligem.

Entre essas questões, o psiquiatra Rafael Lopes destaca o sentimento de culpa, que pode ser um peso adicional, sobretudo em pacientes com histórico de quadros psiquiátricos. "A percepção de culpa tende a ser distorcida: a mulher acredita ser responsável por tudo de negativo que acontece, mesmo quando isso não corresponde à realidade. A psicoterapia é fundamental para desconstruir essa culpa."

Os especialistas também ressaltam a sensação de isolamento. "Muitas mulheres enfrentam barreiras para acessar atividades de lazer e interações sociais, pois passam a maior parte do tempo em casa, sozinhas", reconhece Lopes.

Um agravante para a situação é que grande parte das mulheres não fala sobre o que sente. Elas verbalizam fatos, colocam palavras para fora e dialogam, mas não falam sobre seus sentimentos.

Mulheres brasileiras 

A pesquisa nacional “Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado”, cujos resultados acabam de ser divulgados, traz um amplo diagnóstico da situação vivida pelas mulheres no dia a dia.

A iniciativa é da Fundação Perseu Abramo, centro de formação política e de produção de conhecimento do PT, em conjunto com o Sesc São Paulo. Realizado ao longo de 2023, o estudo avaliou seis eixos temáticos: trabalho remunerado e não remunerado; imagem da mulher - machismo e feminismo; corpo, sexualidade e saúde das mulheres; violência contra as mulheres; proteção social e política de cuidados; e cultura política e participação.

O trabalho teve duas fases: uma qualitativa, com 65 mulheres cisgêneros e transgêneros; e outra quantitativa, em que foram entrevistadas 2.440 mulheres e 1.221 homens.

 Impacto sobre a cor

Os números gerais trazidos pelo estudo indicam um acentuamento das desigualdades e do empobrecimento das mulheres na última década. Ainda que tenham avançado em nível de escolaridade, os salários e postos de trabalho não acompanharam o crescimento. A elevação da escolaridade não alcançou toda sociedade. 

O empobrecimento atinge sobretudo as mulheres negras - 59% têm renda familiar de até 2 salários mínimos - e aquelas que vivem na região Nordeste, que representam 64% da amostra. Esses números são semelhantes aos registrados no Norte do Brasil.

Houve um crescimento de 50% das que são assistidas por benefícios e programas sociais, sendo novamente a maioria representada pelo público feminino negro, um dado que informa bem o perfil das mulheres que enfrentam situações de pobreza e vulnerabilidade no Brasil.

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Olavo Dutra

Jornalista, natural de Belterra, oeste do Pará, com 48 anos de profissão e passagens pelos jornais A Província do Pará, Diário do Pará e O Liberal.