Manuel Dutra
O ano de 1991 é marcado pela institucionalização do Comitê, que adquire personalidade jurídica e declara, em seu estatuto, que sua finalidade é “promover a criação do Estado do Tapajós”. Daquele momento em diante, portanto, a ideia de autonomia passa a ser objeto de luta de uma organização da qual participam diferentes setores sociais. Para consegui-lo, o Comitê estatui que deverá ser promovida a “integração dos municípios de Itaituba, Faro, Juruti, Aveiro, Rurópolis, Oriximiná, Óbidos, Alenquer, Monte Alegre, Prainha, Almeirim e Santarém, que formarão a nova circunscrição estadual”.
Entre os objetivos do Comitê está a necessidade de “centrar esforços junto à classe política da região” e, também, “junto à classe política nacional para que se sensibilize com os problemas de nossa área”. A declaração resumia a disposição de a região assumir a luta a partir de dentro, reunindo suas próprias forças e buscando solidariedade externa.
Naquele ano, o embate parlamentar entrava em nova fase. O recém-eleito deputado federal Hilário Coimbra (PSDB, ex-PTB) desconheceu o projeto resultante da Comissão de Estudos Territoriais, do ano anterior, e apresentou, ele próprio, seu primeiro projeto de decreto legislativo prevendo a realização de plebiscito com vistas à criação do Estado do Tapajós.
“Partidarização” – A legalização do Comitê e o início da ação de Coimbra se dão quase simultaneamente, havendo entre ambos uma grande interação, que um pouco mais tarde viria a ser classificada, por outros políticos, como uma forma de “partidarização” do Comitê, resultando na cisão da entidade promotora da autonomia, da qual se afastaram alguns membros para fundarem a Frente Popular Pró-Emancipação do Estado do Tapajós.
Outros momentos de destaque se verificaram no movimento. Em 1992, o Comitê reuniu, num mesmo documento intitulado Carta-exposição de motivos, o mais volumoso elenco de representantes de amplos setores, encaminhando a deputados e líderes partidários no Congresso Nacional um pedido de apoio para o momento da votação do plebiscito previsto no projeto de Coimbra. Em nenhum outro documento reuniram-se forças sociais em tal amplitude, autodenominadas “amazônidas-tapajônicos, nativos ou não”, que falam de um “ciclo trintenário de luta pela criação dessa unidade federativa”, embate que tem como fundamento “argumentos inúmeros e verdadeiros”, com “a potencialidade econômica da região” representando “o principal componente do elenco das nossas justificativas”, um elenco que é “plural e formidável”.
A Carta era assinada por 30 representantes de entidades patronais e de empregados, diretórios de partidos políticos, conselhos de profissionais liberais e pela Cúria Diocesana. Era como se a sociedade local mostrasse que estava mobilizada em torno da campanha pela autonomia político-administrativa, num movimento suprapartidário e de ampla penetração social. O resultado prático e imediato, que seria a aprovação do plebiscito, não foi atingido.
O I Encontro Emancipacionista de Itaituba pretendeu dar sequência às declarações constantes da Carta-exposição de motivos, além de tentar deslocar, por um instante, a ação do movimento para fora da cidade de Santarém, mostrando assim que se tratava de algo encetado por grupos de todo o Oeste.
Precedido por um hino de mobilização popular, o encontro de Itaituba procurou ampliar os objetivos da Carta, traduzindo-se numa forma de amplo apelo interno e externo em torno do movimento, chegando a conclamar os eleitores da região a somente votarem em candidatos “comprometidos” com os ideais de autonomia. O apelo aparentemente deu resultados imediatos: na eleição parlamentar seguinte, o Oeste do Pará elegeu suas maiores bancadas na Assembleia Legislativa do Estado e na Câmara Federal.
No mesmo ano, a Frente Popular, dissidente do Comitê, conseguiu mais de 16 mil assinaturas com as quais encaminhou, por intermédio do senador Jarbas Passarinho, um projeto de emenda popular, pretendendo vê-lo aceito pelo chamado Congresso revisor. A revisão constitucional fracassou e o projeto, que se justificava pela necessidade de “afirmação nacional sobre estes territórios”, foi esquecido.
Retomada – Em 1995, o deputado Hilário Coimbra apresentou outros dois projetos na Câmara Federal: um acrescentando artigo ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, criando o Estado do Tapajós, e, pouco depois, um projeto de lei complementar criando o Território Federal do Tapajós. A retomada da ideia de um Território é justificada por Coimbra como um primeiro passo para a transformação da região em Estado, medida adotada diante das dificuldades encontradas nos projetos anteriores.
No presente momento novos atores entram na jogada política pela separação e criação de novo Estado. O ambiente em Santarém e municípios componentes do projeto não parece, por enquanto, entusiasmar sobretudo a massa dos eleitores. A não ser que surjam fatos novos e a adesão do governo Bolsonaro e dos militares que o cercam, com a participação da força do agronegócio e dos mineradores artesanais ou não. É isso que parece dar alento a mais essa arrancada separatista. Antes, os militantes terão que refazer a legislação que, inicialmente, concentrava o plebiscito apenas na região desejosa de emancipar-se. Com um plebiscito envolvendo todo o Pará, virá nova derrota, mesmo que o Carajás esteja fora da contenda. Da primeira vez o Oeste do Pará deu mais de 90% dos votos ao “sim”, mas o cômputo estadual não passou dos 60% e poucos votos. Porém, naquele momento havia a campanha pelo Estado do Carajás, o que mudou profundamente o panorama da luta tradicional do Tapajós.