Em meio a intensos debates, nesta semana o Telegram teve que publicar retratação, sob pena de suspensão do aplicativo, pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal /Fotos: Divulgação.
O texto prevê combater a disseminação de conteúdo falso nas redes sociais e nos sistemas de mensagens privadas, mas há divergências.
O projeto de lei mais polêmico dos últimos anos tem rendido debates ferrenhos pela internet, espaço sobre o qual ele quer ter as rédeas. Para os simpáticos ao PL 2630/20, que institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, a proposta veio para trazer mais segurança ao que chamam de ‘terra sem lei’, já que o texto prevê, entre outras medidas, o combate à disseminação de conteúdo falso nas redes sociais e nos sistemas de mensagens privadas, excluindo-se serviços no âmbito corporativo e no e-mail.
Para os contrários ao projeto, apelidado de ‘PL da Censura’, ou “Lei das Fake News” a proposta é ambígua, turva e perigosa. Segundo os parlamentares avessos ao texto, em suas mais de 40 páginas, o projeto não deixa claro e cristalino de que forma a lei enquadraria o que seria considerado ‘fake News’, ou discurso de ódio, já que o texto prevê a derrubada preventiva de conteúdos “potencialmente mentirosos ou ilegais”, que envolvam crimes de discriminação, preconceito e a defesa do terrorismo e da abolição violenta do Estado de direito.
Liberdade de expressão
Para a oposição e parte da sociedade que vê o projeto como ameaça à liberdade de expressão, a proposta apresenta parágrafos que comportam uma ‘ditadura velada de opinião’, já que não há garantias de que os sistemas reguladores se portarão de forma imparcial, abrindo, assim, margem para que se tenha uma ‘caçada aos opositores do governo’, como aconteceu recentemente com as big techs Google e Telegram. As plataformas foram obrigadas pelo Judiciário brasileiro a retirar mensagens enviadas aos usuários criticando a proposta – o Telegram, inclusive, teve que publicar retratação, sob pena de suspensão do aplicativo, pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.
Pela polêmica provocada na última semana sobre o assunto publicamos trecho da opinião do advogado Maurício Ferro, formado pela PUC-Rio, com mestrado e especialização em universidades como London School, University of London e curso na Harvard Business School.
Não matem o mensageiro!
No jargão comum usa-se esta expressão para se referir à disciplina de não criticar o portador da má notícia, mas se concentrar na origem do problema. Pelo que se sabe, a origem da expressão seria a ordem dada por Dario III, rei da Pérsia, quando lhe chegou a notícia da derrota de seu exército para Alexandre, o Grande. Ao invés de enfrentar a realidade da derrota, determinou que cortassem a cabeça do mensageiro grego. O dito popular instrui para a concentração no foco do problema.
À medida que o panorama ocidental piorou, com a Covid, ataques à democracia, guerra da Ucrânia, endurecimento das políticas monetárias dos bancos centrais e a insegurança alimentar mundial, agravaram-se a polarização extremada de ideias e discursos de ódio e aumentaram os ataques à mídia e às plataformas digitais.
Guardadas as devidas proporções, a discussão agressiva sobre o PL das Fake News soa como a clássica história: ao invés de refletir sobre a origem do problema, a formulação da notícia dolosamente mentirosa, concentra-se fogo na condenação dos veículos que divulgam conteúdo.
E claro que as próprias plataformas estão fazendo um péssimo papel de contenção de crise e gestão de imagem, deixando-se posicionar como contrárias ao combate de fake news. Deveriam ser as maiores interessadas em criar mecanismos tecnológicos que ajudassem neste combate e poderiam liderar o tema pela maior capacidade de conhecimento sobre os meandros das redes sociais.
Silêncio nas plataformas
O está tramitando no Congresso brasileiro há três anos, sem que as plataformas tenham feito algo concreto para ajudar a mitigar este câncer social tecnológico do incitamento ao crime pela via eletrônica. Preferem, casuisticamente, se ater à simplória discussão do binômio liberdade de expressão x censura. Perdem a chance do bom debate, sobre como as plataformas podem ajudar a frear a disseminação de conteúdo ilegal prejudicial ao ser humano, sociedade, meio ambiente e a democracia. É crescente a discussão mundial sobre a função das redes sociais e seu modelo de negócio. Se não mudarem rapidamente de postura serão atropeladas pelos fatos em futuro próximo. Há alguns anos, as Nações Unidas fizeram uma acusação formal ao Facebook por permitir que sua tecnologia contribuísse para provocar, em Mianmar, um dos piores genocídios desde a Segunda Guerra Mundial.
Dois pesos, duas medidas
Às plataformas sociais falta uma cara, uma pessoa, um representante legítimo nas sociedades onde atuam. Sabemos que figuras como Elon Musk, Mark Zuckerberg, Pavel e Nikolai Durov representam o universo da internet mundial, mas estes estão distantes, inacessíveis e insensíveis aos problemas cotidianos dos países de terceiro mundo e com isso pouco representam de credibilidade na sociedade brasileira, que os acompanha mais pelas suas excentricidades do que pelos eventuais trabalhos sociais, ou educacionais e filantrópicos. Além do mais, pregam discursos conflitantes, pois se dizem anti-Estado, mas controlam empresas que receberam subsídio público, caso da Tesla, ou controlam empresas que sobrevivem de contratos com o governo americano, como a Space X. Falta, ainda, transparência quanto à remuneração auferida por estas empresas, que, apesar de não cobrarem pelos serviços da internet, conseguem faturar bilhões de dólares todos os anos. Se todos sabem claramente como as empresas lucram é legítimo e aceitável que estas empresas defendam o seu negócio e a sua fonte de riqueza.
Ferro chama a atenção que as big techs, apelido já pejorativo, posicionam-se estranhamente contrárias a qualquer legislação específica, cuja finalidade visa regrar a moderação de conteúdo, pelo argumento de que isto impactaria as vidas de várias pessoas. Como assim? Estas empresas geridas, nascidas e desenvolvidas em sociedade capitalista aguda – nada contra o capitalismo – agora se arvoram como defensoras dos mais humildes, pobres cidadãos brasileiros? A postura destas empresas demonstra um desconhecimento total da sociedade em que estão inseridas. É de uma arrogância atroz.
Estilo morde e assopra
Segundo ele, sempre que uma crise aparece, logo surge um projeto de lei para ampliar pena, regular conduta, ou imputar responsabilidades. Portanto, perdem a chance de ajudar a criar um bom projeto de lei. Aquele que realmente iniba o criador da fake news, ou que evite sua disseminação. Fazem exatamente o contrário: reconhecem que a fake news possa existir e ser difundida, mas querem se eximir de responsabilidade. Incitam o debate parlamentar para criticar o projeto de lei de forma transversal, com impulsionamento de posições parlamentares mentirosas, ou radicais.
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